Por Jéssica Cavalcanti
Não é novidade pra ninguém que a
rotina acadêmica nas universidades é intensa e exige muito dos estudantes. As
cobranças de qualidade e prazo acabam sendo, por muitas vezes, contraditórias,
posto que a sobrecarga das responsabilidades atribuídas aos jovens
universitários dificilmente condiz com o tempo que estes têm disponível para
dedicar-se a tantas coisas de uma só vez. O resultado acarretado disso é uma
saúde mental abalada, e alunos com cada vez menos capacidade de encontrar um
equilíbrio entre os estudos e todas as demais áreas de suas vidas, que precisam
igualmente de atenção.
Esse assunto, no entanto, não é
tão abordado ou levado a sério pelo corpo acadêmico como um todo – docentes,
discentes e outros atores sociais desse cenário. Há um consenso silencioso
entre a maioria das pessoas que já passaram, passam ou pretendem passar um dia
pelo nível superior de que o esforço sobre-humano não é mais do que uma
obrigação daqueles que desejam “ser alguém na vida”. Isso é um sinal claro da
sociedade meritocrática em que vivemos.
O problema, contudo, não reside
apenas no excesso de compromissos e ocupações impostas aos estudantes, mas na
não-oferta de suporte psicológico aos mesmos, de quaisquer lados. É certo que a
maioria das universidades federais disponibilizam um atendimento nessa área
para todo discente que buscar ajuda. No entanto, a parcela que tem conhecimento
desse serviço chega a ser irrisória. Não há uma devida preocupação, tampouco
divulgação, com os mecanismos de auxílio mental para os alunos no campo do nível
superior.
É óbvio que esse déficit vem
desde a educação pública básica no país, como mais um item da lista
interminável de melhorias necessárias no sistema de ensino brasileiro.
Entretanto, vamos fazer um recorte da realidade e nos reter ao ambiente
universitário. Juntamente comigo, Marcelha Pereira, Tálison Felipe e Nínive
Luara foram a campo para aprofundar a questão em vivências reais e concretas no
cotidiano dos graduandos.
A pressão para os mais novos
Thayane é aluna da UFRN, 3º
período de Comunicação Social, com habilitação em jornalismo, e entrou na faculdade
aos 15 anos. A partir daí, ela encontrou uma gama de complicações que diziam
respeito não só às prerrogativas intrínsecas ao novo território de vivência,
mas também à sua adaptação dificultada em virtude da própria idade.
“Existe um consenso social de que
gente nova é imatura, ou não leva a vida a sério, e que existem limitações
específicas e inflexíveis quanto à capacidade de desenvolvimento de cada um
referente à sua idade. O que é totalmente incoerente e surreal”, diz ela,
“Sofro com essa subestimação, e isso com certeza influencia além da conta na
minha personalidade. De acordo com minha mãe, quero abraçar o mundo com os
braços. Tento fazer tudo da melhor forma possível, porém sempre além da conta,
como se para provar algo para alguém. Não consigo vencer isso, sempre é mais
forte”.
A jovem afirma que, para
demonstrar que não era pior – nem melhor – do que ninguém em virtude de seu
menor tempo de experiência, ela sempre exerceu sobre si mesma uma pressão muito
grande, ao ponto de ter dificuldades para se divertir. Essas cobranças apenas
cresceram quando Thayane ingressou na graduação.
“Desenvolvi labirintite nervosa,
que é bem ruim. Gastrite, insônia, enxaquecas e outras se juntam à lista.
Implicações físicas, mas que tem uma origem estritamente psicológica. Mas não
se pode ter tudo na vida, dizia minha avó. Qualidade mental ou boas notas.
Qualidade de vida ou sucesso profissional”, afirmou convicta.
Thayane é apenas uma de tantos
que desenvolvem patologias devido ao estresse da academia. Uns, como ela,
reconhecem essas inferências no seu dia a dia e acabam integrando à sua rotina
as novas condições físicas e mentais às quais se veem subjugados. Outros, no
entanto, chegam a um nível relevantemente preocupante, do qual são incapazes de
superar sozinhos. A manifestação de transtornos psicológicos mais graves é,
infelizmente, uma realidade inegável entre os discentes universitários.
Quando a depressão e a síndrome do pânico passam a fazer parte do
cotidiano
![](https://lh3.googleusercontent.com/blogger_img_proxy/AEn0k_uugffIDmLMRN8c3-fWSlddXtD7QK1aRCBeq2KjXISTwHl03SWv3lEu6Cndyr7CRllMscnbJJyp8xX5AbW3Z8tGsOBla6eA857LdFvlyFaI7bgLuiK7E1DYgg=s0-d)
Ela tem 23 anos, é recém-formada em
Engenharia Química, e quem vê de fora não faz ideia das batalhas que travou
para conseguir segurar seu diploma.
A jovem nos contou que, desde o
3º período da graduação – feita também na UFRN –, começou a sentir-se desestimulada, pois o
cansaço e a sobrecarga já estavam afetando s
ua saúde mental. A ansiedade, no
entanto, cresceu quando ela precisou enfrentar o luto de um ente querido e o
quadro de depressão começou a se formar de maneira mais clara.
Quando perguntada se procurou
alguma ajuda profissional, ela afirmou que chegou a consultar-se algumas vezes
no ano de 2013, mas parou de frequentar o psicólogo naquela mesma época, e só
voltou dois anos mais tarde, quando percebeu que não conseguiria lidar com tudo
aquilo por conta própria.
A pressão e a cobrança tomaram
proporções tamanhas na vida da estudante, que ela vivenciou, já na reta final
de seu curso, uma crise de pânico, desencadeada por uma nota baixa. “Dirigi à
minha casa e até hoje não sei como fiz isso. Chorava sem parar. E durante
3 dias não saí de casa. Sentia vergonha pelo modo que eu fiquei, por isso não
queria ver ou falar com ninguém. A partir desse momento pensei em procurar
ajuda”, conta com emoção.
Ela disse com convicção que a
sobrecarga da universidade foi um fator decisivo no progresso dos seus
problemas psicológicos, contando que a vivência dentro do laboratório tornou-se
tão traumática para ela a ponto de fazê-la fugir de tudo que lhe remetesse
àquele lugar, tendo pavor com a possibilidade de precisar retornar. “No final de
fevereiro, foi a última apresentação de relatório da bolsa, comecei a ter dor
de barriga, náuseas... Me senti mal. E uma vontade muito grande de chorar. Não
consegui ir”, relata a recém formada.
Mesmo depois de concluir a
graduação, a jovem ainda sofre da depressão que desenvolveu durante o curso e
sabe que não é algo que vá se curar do dia para a noite. Ela tem ainda um longo
caminho que percorrer para superar todas as mazelas psicológicas que a
universidade deixou marcadas em sua vida. Quando questionada se aceitaria dar a
entrevista, ela afirmou: “Sim, com certeza, precisamos falar sobre isso”. E
tinha razão.
Como, afinal, podemos resolver a situação?
![](https://scontent.fnat1-1.fna.fbcdn.net/v/t1.0-9/11880388_1210467085645557_903256912706759459_n.jpg?oh=87aa952e9129d66d90c6f18d3420f303&oe=5807DC4F)
Não existe uma fórmula mágica que
porá fim a essa questão, infelizmente. Na verdade, o que se pode fazer em
primeiro lugar, é reconhecer que essa fadiga exacerbada é um fator
potencialmente prejudicial à saúde mental de quaisquer estudantes. E então,
tentar evitar que esse quadro cresça para algo mais grave. Algumas pessoas já
estão fazendo isso.
No início de 2015, um aluno de
medicina chocou-se com a quantidade de colegas de curso apresentando sintomas
de depressão. Ele, então, pensou em criar um projeto para estudantes de
medicina em combate à doença. Conversou com professores e procurou
profissionais e outros colegas estudantes. Quando começaram a debater sobre o
assunto, o grupo chegou a um consenso de que esse estresse, cobrança e pressão
não existiam apenas na medicina. Na verdade, a faculdade estava recheada disso.
“Quando começamos a desenvolver o
projeto, a gente percebeu que não se pode falar de saúde mental isoladamente.
Tem que relacionar isso com o estilo de vida da pessoa, com a companhia, com a
rotina dela. Então já entra no assunto de qualidade de vida, não apenas
mental”, diz Igor Matheus, um dos coordenadores do programa Be Happy e estudante
do 4º período de medicina na UFRN.
Ele nos contou que o projeto – em
sua terceira edição, isto é, ativo pelo terceiro semestre consecutivo – é orientado
pela psicóloga Ângela Mendes, e trabalha em cima de três tipos de atividades: a
mesa redonda temática, os “dias happy” e a roda de conversa.
A mesa redonda geralmente
acontece no Centro de Biociências (CB) da universidade, no turno da noite, e abre
o novo semestre. Na banca, há a presença de profissionais da psiquiatria,
psicologia, nutrição, farmácia e educação física, trabalhando a saúde mental de
forma “ampla e multidisciplinar”. Segundo Igor, cada um fala em torno de 10
minutos e em seguida, é dada a oportunidade aos alunos presentes de fazerem
perguntas para qualquer um deles. É a reunião que mais chama atenção e
incorporação de alunos, movidos pela curiosidade quanto à relevância do tema
abordado.
![](https://scontent.fnat1-1.fna.fbcdn.net/v/t1.0-9/13102830_1401643609861236_1202688852360390094_n.jpg?oh=50814699303585e6435d0c5e9fbcb392&oe=58085F23)
Os “dias happy” são encontros com
o propósito de proporcionar lazer aos estudantes e tirá-los um pouco da rotina exaustiva
que vivem. “Esse semestre, por exemplo, fomos um dia para a praia, outro
fizemos um cinema – onde debatemos o filme Divertidamente – e em outro dia
fomos para o Parque das Dunas. Convidamos um educador físico para poder nos dar
uma aula de dança lá”, ele relata com entusiasmo. O objetivo desse momento é,
segundo ele, criar uma fuga para os estudantes que estão constantemente
estressados e ansiosos. E ensina-los a fugirem por si só. “A não viverem no dia
a dia bitolados à sala de aula, mas se adaptarem mais a sair, a arranjar tempo
para os amigos e outras coisas”, conclui.
Por fim, a roda de conversa tem
por intuito estimular os estudantes à socialização. “A gente precisa evitar esse
lado individualista (...) pra que um ajude o outro, tanto nos estudos, como no
dia a dia, no momento que está angustiado, chateado, o que quer que seja”, ele
argumenta. “Então, a gente cria momentos de conversa, onde todos participam.
Justamente pra tirar timidez. É um incentivo, de certa forma, pra criar
relacionamentos”.
Igor demonstra certa frustração
com a pouca adesão dos alunos ao projeto, pois sabe que existe uma demanda
imensamente maior de pessoas que poderiam fazer bom uso das atividades e informações
oferecidas pelo grupo, do que as que participam efetivamente. Mas, apesar
disso, ele afirma que observar a influência positiva do programa na vida dos
que tem se envolvido é motivação suficiente para que os colaboradores continuem
tocando-o para frente.
O estudante enfatiza que todos têm
problemas e precisam aprender a lidar com eles, e afirma: a procura do Be Happy
pode ser uma forma de fazer isso. O que não aconselha, no entanto, é buscar
saídas que venham a ser ainda mais destrutivas. Beber, por exemplo, é uma
reação natural de vários estudantes para escapar do cotidiano estressante,
especialmente em fim de semestre. Contudo, Igor alerta: “o álcool deprime o
sistema nervoso, ajuda a destruir células importantes, detona o fígado”. Para
ele, seria melhor usar como válvula de escape algum tipo de atividade física,
pois melhora a respiração, oxigenação cerebral, a qualidade do sono. São formas
inteligentes, produtivas e saudáveis de lidar com as adversidades.
Cabe ressaltar que o grupo
trabalha com atividades de promoção da saúde de forma coletiva, e não foca-se
em ajudar pessoas em estado sério de algum tipo de transtorno mental. Dessa
forma, precisamos acentuar a importância de buscar ajuda profissional para um
tratamento mais específico, nos casos de maior gravidade.
Para quem se interessar em um
maior contato com o projeto Be Happy, Igor afirma que a página no facebook é
atualizada semanalmente ou quinzenalmente. Tanto informações sobre saúde
mental, como coisas relacionadas ao grupo – datas, metodologias, dicas, etc. –
são publicadas lá, com o objetivo de ampliar essa área de contato com os alunos
participantes ou curiosos.
A sobrecarga das atividades
acadêmicas é uma realidade que precisa ser debatida, assim como as diversas
formas de combate às consequências negativas que podem desencadear na vida dos
estudantes. Essas sequelas são muito mais comuns do que imaginamos e se manifestam
de diferentes maneiras, em diferentes graus, na experiência não só acadêmica,
mas principalmente pessoal de cada um.
Um ponto que vale a pena a
reflexão é que a rotina na academia é apenas o começo de toda uma trajetória
que durará longos anos, se não para sempre. Se os atuais graduandos não
conseguirem conservar sua saúde mental e qualidade de vida hoje, como podemos
esperar bons profissionais formados? E mais do que isso, que tipo de
expectativa temos para o futuro da sociedade, quando estamos nos habituando
cada vez mais a agir como máquinas ao invés de seres humanos, dotados de
limites – físicos, biológicos, mentais – que precisam ser respeitados?
Imagens: https://encrypted-tbn0.gstatic.com/images?q=tbn:ANd9GcTGq8llCaQ7200eDHj8RW9M-LJ-ANtP8RvZpikauFSfghAGmUQw
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Ótimo texto, parabéns.
ResponderExcluirHey Vinicius! Muito obrigado :D Acompanhe o nosso trabalho que muitas coisas boas ainda vêm por aí.
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