O que temos pra hoje, Dona Maria?
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Foto: Mariana Batista/Caderno de Pauta |
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Natalia (à esquerda) posando para a foto. Foto: Mariana Batista/Caderno de Pauta |
“É mais que uma distração, é mais que um hobby que a gente tem. É um compromisso que a gente tem, é uma casa que a gente tem, é um mundo, é a nossa ideologia, são os nossos pensamentos, os nossos sentimentos que estão todos ali. É uma ligação, uma conexão. Eu sinto isso todas as vezes que eu vou e não importa se é debaixo de chuva, não importa se tiver pouca gente, às vezes estão só os MCs mesmo, uns cinco MCs só, e é isso aí”, diz Natalia Kelly Lima da Silva, 17 anos.
Sempre usando termos como “a gente” e “nós” para dar ênfase ao trabalho conjunto e a relação amigável dela e dos demais organizadores do pequeno evento, conta que a ideia de fazer as batalhas em Extremoz surgiu, pois eles sempre participaram das batalhas e eventos desse tipo na capital, porém o deslocamento entre as cidades é complicado, e como não há muitos em sua cidade decidiram trazer a batalha para casa. A ideia em si surgiu há algum tempo, menos de dois anos, porém não se firmou por causa da rotina de estudo dos participantes; apenas no final do ano passado passado eles decidiram voltar com a batalha como forma de resistência à opressão e para que mais gente da cidade tivesse acesso a essa cultura.
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Natalia e Rubens, estudantes do ensino médio. Foto: Mariana Batista/Caderno de Pauta |
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Final da batalha, da esquerda para a direita, Caik, Eron e a pequena plateia ao redor, esperando o começo de uma nova disputa. Foto: Mariana Batista/Caderno de Pauta |
A plateia se anima ao final da primeira disputa da noite e os cochichos a respeito daquela que está para começar ficam mais frequentes. “Não são todas batalhas em que o público é grande”, diz Rubens. “No entanto, na maioria das edições que acontecem temos percebido que o público vem aumentando e isso nos incentiva a continuar”.
Eron volta para o centro da roda e, desta vez, vem acompanhado por Ektor Fernando do Nascimento Dias, 20; ambos colocam-se frente à frente e Natalia pede um pouco de silêncio para que eles possam começar. A batalha é acirrada, as palavras de ataque são rápidas e as de contra-ataque ainda mais. A atmosfera é uma criatura híbrida entre a tensão e euforia; os gritos de incentivo tornam-se ovações rápidas e tão emboladas quanto às letras dos raps. Saem numa velocidade parecida com as gotas de uma chuva torrencial e se espalham preenchendo a noite, junto com a música de batida forte e palavrões aleatórios. Desta vez, Eron perde, Ektor sai como o vencedor da disputa, ao som das ovações de seu público.
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Ektor e Eron (de costas), são fotografados por Natalia durante a batalha. Foto: Mariana Batista/Caderno de Pauta |
Ektor e Tomais voltam para o centro da roda; é a hora da última disputa da noite. A plateia se aproxima, o círculo se torna pequeno e as ovações aumentam. Ektor começa, Tomais contra ataca, Ektor responde ao contra ataque; alguns palavrões são ditos, a atmosfera volta a se tornar tensa. Algumas palavras são abafadas pela música novamente, outras se espalham pelo vento, e se perdem em meio à noite escura. Depois de mais algumas palavras soltas, a plateia vibra mais. Ektor é o campeão da noite. Enquanto alguns gritos ainda ainda reverberam pela praça e a pequena multidão começa a se desfazer, Natalia pergunta “Com essa já foram quantas?”: Ektor responde, mostrando o número nos dedos: “Acho que quatro”.
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Ektor (por trás de Natalia e Rubens) e Tomais à sua frente. Foto: Mariana Batista/Caderno de Pauta |
Dispersada a multidão, resta apenas o mesmo grupo do início, os organizadores da batalhas. Os que levaram suas mochilas as deixam organizadas uma por cima da outra no centro da praça, sentam-se no chão formando um novo círculo e começam uma pequena reunião. Eles conversaram sobre o planejamento da próxima atividade cultural que pretendem organizar. Natalia nos informa que a cultural consiste em reunir a cultura do rap, fazer apresentações, slam (Campeonatos de poesia) e as batalhas; juntar todo mundo, sendo de Natal ou Extremoz, “todo mundo colar lá e gerar uma galera bacana”. No meio da conversa sobre a cultural, se entra no assunto sobre a falta de verba para se adquirir um equipamento de som e explicam que com um som bacana se atrai mais público. Um dos MC’s, Ektor tem uma caixa de som, porém por morar distante nem sempre pode participar da batalha e trazer o equipamento. Com isso, discutem sobre várias formas de arrecadar verba, como ir ao sinal, adquirir patrocínio, vender rifa e comida, fazer camisetas e diversos outros meios.
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Todos sentam em roda para conversar. Foto: Mariana Batista/Caderno de Pauta |
A conversa chega ao fim. Natalia e Mikael começam a discutir sobre introdução da roda de cordel e poesia, que sempre acontece depois das batalhas, e então Natalia se levanta perguntando: “O que temos pra hoje, Dona Maria?!” e então todos respondem: “Cordel e poesia!”, E ela continua: “Contra o machismo, Dona Maria!” e o grupo repete os dizeres anteriores: “Cordel e poesia!”. O diálogo continua dessa forma:
“Contra a homofobia, Dona Maria!”
“Cordel e poesia!”
“Contra o racismo, Dona Maria!”
“Cordel e poesia!”
E por fim, Natalia questiona novamente: “E quem é ele, Dona Maria, O que ele traz, Dona Maria?!”, então a primeira pessoa se levanta e recita sua poesia. Na sequência se apresentam: Mikael Lucas, 20; Rubens; Natalia; Dyanna Kathleen O’hana Doca de Souza, 17; Rubens novamente; e por fim Ektor fecha o Slam recitando a última poesia.
No slam,o poeta pode recitar sobre o que quiser, é um momento de liberdade, porém já tem que vir com o pensamento pronto. Eles falam sobre os mais variados temas como: intervenção militar, ditadura, pobreza, injustiça, sistema, perdão e amor. Natalia explica que vai de acordo com a ideologia de cada um: “A gente procura abordar tudo e desconstruir alguns preconceitos, principalmente nas poesias. Quando a gente traz poesia, a nossa intenção é essa. Na batalha pode rolar tudo, pode rolar qualquer assunto, depende muito dos MCs, mas na hora das poesias, a gente entra com elas já pra ter esse foco, já que na batalha não tem. Elas [as poesias] nem sempre são autorais, a gente transforma uma música, um rap de outro alguém em poesia.”
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