Esqueçam os eufemismos. No teatro político criado, a peça apresentada foi golpe institucional
Por Luiz Henrique
A
farsa estava montada: antes do início do julgamento de Dilma Rousseff o
resultado já estava escancarado. Há legitimidade num julgamento onde a acusada
é considerada culpada antes do seu início? Acabamos por assistir um golpe
institucional comandado por gambás.
Na
cartilha do processo, Dilma respondia pelas chamadas ‘pedaladas fiscais’. No
entanto, respondeu pelos desgastes políticos e econômico do seu mandato num
espetáculo inflamado pela operação Lava-Jato que atingiu as relações espúrias
entre o público e o privado. Sem envolvimento com os investigados, a cortina de
fumaça foi lançada numa narrativa que confundiu as questões a serem julgadas.
Cada
peça foi arquitetada a fim de legitimar o golpe. Em junho, a perícia realizada
por especialistas do Senado para a comissão especial que avaliou o processo de
impedimento afirmou que Dilma não atrasou o pagamento aos bancos públicos, mas
durante essa semana esse documento foi esquecido. Não por falhas da memória,
mas por artimanhas do cinismo. Exemplo disso é a afirmação de José Agripino
Maia, senador do nosso estado acusado de receber propina milionária, que
ignorou o documento e disse não haver fato novo para reverter seu voto no
processo.
Os
comandantes do teatro político souberam anestesiar o país: construíram a
narrativa do PT como inimigo que carrega todos os males do país, reduziram o
debate político ao maniqueísmo e, por fim, ofereceram aos setores mais
conservadores o discurso da moralização do país. Tão bem montada e aceita
estava a farsa que não foi preciso escrúpulos e eufemismos para o senador Acir
Gurgacz (PDT-RO), que votou favorável a destituição, afirmar para quem quisesse
ouvir, logo após o julgamento: não houve crime de responsabilidade.
Lembremos
que o nome a frente do processo desde dezembro passado é Eduardo Cunha.
Investigado por contas secretas na Suíça e recebimento de propina, o então
presidente da Câmara dos Deputados autorizou o pedido de impeachment num
momento que estava acuado no Conselho de Ética por não haver conseguido os
votos do PT que o favorecia em relação a sua cassação. Desde então, tudo foi
conduzido de maneira ardilosa e minuciosa para esconder o odor golpista,
mas as gravações de Sérgio Machado, também esquecidas durante a semana,
escancararam as intenções dos condutores: “Tem que mudar o governo para
estancar essa sangria”, afirmava Romero Jucá, escolhido Ministro do
Planejamento por Michel Temer no afastamento de Dilma Rousseff, em maio.
Assim,
o golpe institucional foi sendo fabricado sem alarde, alterando-se os métodos
militares de outrora. Rachou a democracia e nos seus escombros agora fazem
morada os gambás. No desabamento causado, é muito perigoso o que agora está
soterrado. A começar pelo segundo dia da nossa farsa-república: presenciamos
uma estudante que perdeu a visão de um dos olhos após ser atingida por bombas
jogadas pela PM, a senadora Vanessa Grazziotin agredida em avião,
‘flexibilização’ das leis trabalhistas, jornalistas agredidos, presos e com
equipamentos destruídos, o conselho curador da EBC extinto e a proibição de
protestos na Avenida Paulista, com a liberação das Forças Armadas para
‘auxiliar’ a uma eventual repressão caso a ordem não seja atendida. Isso é só o
começo.
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