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As cores da loucura

“A arte chega de alguma forma, em algum tempo e de alguma maneira”.


Por Beatriz Nascimento, Maria Beatriz Araújo, Ricarla Nobre e Sthefanny Ariane

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Foto: Sthefanny Ariane 

As expressões artísticas estão por toda parte, inclusive na psicologia. O que acontece quando os artistas e os “loucos” se encontram? Foi a partir de questionamentos como esse, e do interesse em unir arte e psicologia em uma dissertação de mestrado, que surgiu o projeto “Cruor Arte Contemporânea”. É no hospital psiquiátrico Dr. João Machado, em Tirol, onde tudo acontece. “Loucure-se” e “Des-amparo”, são os nomes das performances mais recentes realizadas pelo grupo. O objetivo é propiciar aos pacientes formas de se expressar e interagir de modo espontâneo. Apesar de toda complexidade atrelada à mente humana, quem faz o projeto acontecer busca despertar reações simples, que muitas vezes, ficam adormecidas pelos excessos de remédios e seus efeitos colaterais.

É através de trabalho voluntário que o projeto ganha vida. Contando com participações autônomas, cada um contribui com sua habilidade artística para trabalhar com os pacientes. Estudantes de artes cênicas, promovem oficinas de música, teatro, maquiagem e figurino, assim como voluntários do curso de artes visuais oferecem oficinas de pintura e moda. Também são realizados exercícios de dança na quadra, terapia ocupacional e atividades extramuros, como passeios. Além disso, no projeto, os pacientes têm a possibilidade de participar de aulas com alunos da UFRN, colaborando, interagindo e aprendendo. Sendo estas formas de tirá-los do ambiente hospitalar e do confinamento, promovendo a oportunidade de socialização.

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Foto: Sthefanny Ariane
O primeiro trabalho, Loucura-se, foi apresentado ano passado, e foi realizado de forma independente. Os estudantes discutiam as cenas e lapidavam o que seria colocado na apresentação, tornando-se, no final, um espetáculo itinerante. “Eu ia tocando e fazia o cortejo, parava em um ponto do hospital, elaborava uma cena e continuava. Era uma forma de mostrar as pessoas como é o local do João Machado!”, contou Francisco de Assis Alves Júnior, 24, estudante do último período de Teatro. “No segundo trabalho, Desamparo, utilizamos além da autonomia o texto de Walter Benjamin, trazendo obras para as composições das cenas [...]”. 

A professora da UFRN Nara Salles é antropóloga, atriz, bailarina, psicanalista e coordenadora da residência artística do projeto. Segundo ela, a proposta tem como objetivo o estímulo à criatividade dos pacientes; tirá-los da monotonia dos dias e melhorar a rotina deles, para que sejam desviados do turbilhão do cotidiano maçante do hospital, podendo viver o poético. A arte é utilizada como meio terapêutico e de sociabilidade entre os pacientes e profissionais que trabalham no João Machado - isso mostra o quanto a arte é fundamental, pois traz consigo formas de expressão e poder de cura e resgate da identidade e subjetividade de cada pessoa. Possibilita que o sujeito se encontre novamente como ser humano.

O projeto influencia diretamente na melhora dos pacientes. Um deles apresentava comportamento agressivo e não conseguia interagir com as pessoas, dificultando qualquer tipo de aproximação. Foi só depois de sua participação no projeto que ele começou a se expressar melhor, até mesmo por meio de conversa, o que não acontecia antes. Segundo Nara, graças a isso, ele recebeu alta e pôde voltar para casa. 

Ponto de vista social

Em conversas cotidianas, quando alguém menciona a palavra “manicômio” as pessoas começam a fazer piadas de mau gosto ou ficam incomodadas. O interessante é que mesmo hoje em dia, quando a maioria deixou muitos dos estereótipos e preconceitos no passado, a loucura ainda é considerada perigosa e repugnante, como se fosse algo que não deve-se se misturar com o resto da sociedade. “A visão que têm é que são pessoas perigosas, mas a realidade é muito diferente. São pessoas muito carinhosas, você nota que elas são carentes, tem uma história de vida com muito sofrimento”, afirmou a estagiária de psicologia Amanda, de 26 anos, emocionada. 

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Foto: Sthefanny Ariane


Quantos filmes de terror e histórias macabras existem com um hospício como cenário principal? A partir disso, entre outras coisas, a sociedade constatou que um manicômio não é um local de tratamento psicológico, e sim uma instituição onde pessoas perigosas devem ser jogadas e excluídas do meio social. Pessoas gritando, escuridão, olhares vazios, prisão, paredes brancas, pacientes nus e até mesmo mortes - essa é a ideia que grande parte das pessoas têm desse lugar que foi criado com o objetivo de ajudar alguns que são considerados loucos, mas que nem sempre é isso que acontece. A sociedade tem medo deles mas na maioria dos casos eles são as verdadeiras vítimas. 

Muitas vezes o que também acontece quando alguém tem um transtorno psicológico, como depressão, ou até mesmo não tem doença alguma, os familiares se cansam daquela pessoa, apenas a largam no hospício, pois "o fardo é grande demais”. Segundo uma das estagiárias que trabalham no João Machado, há algum tempo atrás um casal havia adotado uma jovem e depois de alguma convivência cismaram que ela era uma psicopata e simplesmente jogaram a menina no hospício, pois não podiam devolvê-la ao orfanato. São histórias como essa que chocam e mostram quão o ser humano pode ser, de fato, desumano.

Se ao menos começássemos a dar uma chance aos “loucos” iríamos descobrir o quão indefesos e carentes eles realmente são. Essas pessoas, muitas vezes, estão perdidas, abandonadas por quem amam, e esquecidas tanto por eles quanto pelo resto da sociedade. Dar atenção aos excluídos e talvez se dar o prazer de ser um pouquinho louco também, pode trazer uma visão completamente diferente da superficialidade que temos do chamado “manicômio”. 


Relato de experiência - Repórteres 

A primeira impressão que as pessoas tem quando se fala em manicômio é a de que todos os pacientes estarão gritando, completamente fora de si e sem roupa alguma. A vida dentro dos grandes muros que cercam o Hospital Psiquiátrico João Machado é bem mais do que a sua imaginação pode te fazer pensar, e acredite, lá não é o dizem por aí. 

Por trás de todos aqueles portões não se encontram só pessoas com problemas psicológicos, muito menos pessoas fora de si. Na verdade o que existe lá são vidas que só querem ser vividas, histórias que não veem a hora de encontrar um ouvido para repousar. São abraços reprimidos que não encontram abrigo em outro alguém, ouvidos ansiando por elogios e gentilezas, tão capazes de mudar a vida quanto o dia de alguém. 

É chocante perceber a sociedade em que vivemos. Estamos tão absorvidos em nossas rotinas e problemas que deixamos de compreender o próximo. Esquecemos de sermos empáticos e compreensíveis. Afinal, recebemos mais elogios e gestos de gentileza de pessoas “loucas” do que daquelas consideradas “sãs” que encontramos no cotidiano.

Percebemos que não temos problemas se comparados aos das pessoas que vivem no hospital. Um lugar esquecido não só pela falta de investimento, mas também pela sociedade, que insiste em criar padrões e estereótipos. Se você não se encaixa em nenhum deles, querem te diminuir, prender e excluir.

Sociedade essa que não está preparada para loucura, que não sabe lidar com a loucura, ou melhor, com o ser humano! Estamos sujeitos a ter um surto e enlouquecer a qualquer momento, e por não sabermos lidar - por não queremos lidar - podemos acabar abandonados num hospital. 

Toda a experiência faz refletir como não sabemos nada sobre a loucura, e que é preciso tentar entender ao invés de julgar. Porque muitas vezes o medo que sentimos não condiz com a realidade. O que pudemos perceber é que o mundo precisa de muito mais amor e doação do que imaginávamos. 

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Foto: Sthefanny Ariane


A loucura que tanto assusta, não deveria nos assustar. Na verdade, cada um de nós carrega um pouco de loucura dentro de si. Talvez não seja esse o problema, talvez o problema seja a forma como o enxergamos tudo. Afinal a loucura está nos olhos de quem vê.


3 comentários:

  1. Texto de incrível sensibilidade. Parabéns às autoras. Vivemos numa sociedade que marginaliza histórias reais sobre o quanto podemos ser desumanos. Reportagens como essa serve para nos lembrar da nossa pequeneza frente o mundo e frente nós mesmos.

    Que continuem com mais textos assim!!

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  2. Parabéns aos autores! Assunto pouco falado hoje em dia, na verdade há muito tempo não ouvi ou vi nada sobre esses seres humanos, muito importante o texto. Ótimo trabalho glr

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  3. Parabéns às autoras, pois este assunto quase não é abordado. Muito bom mesmo!

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