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Música Alimento Da Alma: A 19ª edição do maior Festival Musical do RN

 Por Ana Clara Neri, Henrique Mendes, Hilda Vasconcelos, Lívia Rodrigues e Manoel Ataíde


Festival MADA 2017/Foto: Luana Tayze

O Festival

Aconteceu nos últimos dia 29 e 30 de setembro o MADA -- Música Alimento da Alma. O festival, que é pioneiro em Natal, surgiu no ano de 1998, revolucionando o cenário musical potiguar. Em 2017, foram dois dias muito intensos, com música para todos os gostos: rock, indie pop, rap e funk estiveram presentes nessa edição, que levou muita gente pro gramado do estádio Arena das Dunas. O evento, realizado no segundo semestre de todos os anos desde sua primeira edição, também tem destaque no âmbito nacional por trazer, simultaneamente, atrações emergentes e artistas já consagrados na cena nacional – ao todo, mais de 540 bandas já passaram pelo festival. O objetivo é levar aos novos públicos a música e os artistas que transcendem seus estilos e criam novas sonoridades, com base nas matrizes do Brasil.

A dinâmica do evento contou com shows alternados, estrutura com dois palcos (Palco Skol e Palco Vivo) e uma produção digna dos festivais mais importantes da cena indie brasileira – que afinal, é o que o MADA se tornou ao longo dos anos, servindo também, como inspiração para outros posteriores. Sua realização tem o subsídio das Leis Câmara Cascudo (do Governo do estado) e Djalma Maranhão (da Prefeitura de Natal). Além disso, tem os patrocínios da Arena das Dunas, Skol, Coca-Cola, Café Santa Clara e apoios da Sunline Turismo, Rede InterTV Cabugi e Jovem Pan Natal FM.

Jomardo Jonas Azevedo, produtor do festival, participou do Música Mundo , uma Feira Internacional de Negócios na Música, realizada em Belo Horizonte-MG, atestando o sucesso do mais longevo festival de música do RN não só entre o público mas também no meio empresarial. 


Os Shows 

Primeiro Dia

Eliano, cantor e poeta pauferrense, abriu as apresentações do palco Skol e sua música já prenunciou o que caracterizaria o som do Mada: instrumental, autoral e muito conceitual. Além de cantor e poeta, Eliano é também produtor cultural e professor. Organizador e participante assíduo de saraus, isso transparece no seu som totalmente novo, mas que não deixa de soar familiar aos ouvidos nos versos de “Tão Devagar” e “Desmudando” que remetem deliciosamente a Raul Seixas.

Embora tenha tocado com o festival ainda vazio, Eliano mostrou um show muito consistente, dando uma boa mostra da melhor música da cena potiguar na atualidade. 

A banda paulista Deb and the Mentals, vencedora da Seletiva Nacional do Mada, trouxe uma sonoridade grunge dos anos 1990. Composto por Deborah Babilônia (vocalista), Guilherme Hypolito (guitarrista), Giuliano Di Martino (baterista) e Stanislaw Tchaick (baixista), o grupo que não parecia ser muito conhecido na cidade não demorou muito para animar o público. Por diversas vezes os integrantes fizeram questão de dizer o quão honrados estavam por estar participando do festival e porque isso é tão importante para eles. Logo em seguida, a potiguar Seu Ninguém, formada por Luana Alves, Erick Allan, Luan Régio, Salomão Henrique e Italo Alves, mostrou seu estilo indie pop/rock.

A proposta dos organizadores do evento, segundo a Fato Novo Comunicação, consiste em apresentar artistas da música contemporânea, consagrados e novos, e propiciar a “formação de plateia” para bandas autorais. Seu Ninguém é um excelente exemplo de banda que vem criando um público cada vez mais fiel através de uma música muito instrumental, com direito a solos de escaleta da vocalista Luana Alves. O show teve também a participação de saxofonista e trompetista ex-colegas de banda de Luana convidados. 

Qualquer dúvida sobre o impacto que seria causado nessa noite foi sanada a partir do momento em que Baco Exu do Blues entrou no palco Vivo. Além de se conectar com a energia da plateia, a dupla de rappers desceu do palco duas vezes e interagiu diretamente com a multidão eufórica de fãs (os quebra-taça ou facção carinhosa, como são chamados). “Se vocês continuarem assim até o fim do show, eu vou descer aí”, e desceu. Durante seu espetáculo foram feitas duas rodas com o público, uma no rockstage e uma na pista respectivamente, em momentos diferentes do show. 

Baco Exu do Blues desce do palco/Foto: Luana Tayze

A partir deste momento, também o Mada ganhou um tom de resistência. O transcendental show dos meninos do Baco é uma bofetada de africanidade, “Abre Caminhos” não pede licença para chegar e provocar o transe necessário para encarar as discussões extremamente contundentes a que se propõem os baianos. “Oração a vitória” fala de tudo (tudo!), é mesmo “mais surreal que um quadro de Salvador Dali fugindo da tela”, portanto, nada mais natural que um mosh ou bate-cabeça entre o público para expressar o quanto de tudo tinha naquele som e tirar quaisquer dúvidas de que o “Exu do blues está de volta”.

Realmente o ponto alto da primeira noite: num momento em que vivenciamos uma série de ataques às matrizes africanas com o vilipêndio de terreiros de candomblé, um som que evoque toda essa negritude e espiritualidade de um ponto de vista tão visceral precisa ser ouvido. Visceral , mas ao mesmo tempo cheio de poesia (rap é rhythm and poetry). “Te amo Disgraça” traz, inclusive, um ótimo ponto de vista sobre amor e relações humanas.

Marcela Vale, mais conhecida como Mahmundi, fez sua estreia em Natal na sexta-feira: com seu som pop, a artista oferece batidas e letras que remetem à música dos anos 1980. A artista carioca apresentou músicas do seu novo álbum de trabalho lançado agora em 2017 e intitulado Mahmundi, mas também cantou alguns singles já conhecidos pelo público, como “Hit” e “Azul”. A cantora ainda aproveitou o momento para enaltecer a importância de shows e festivais como o MADA para artistas independentes como ela, que vivem na espera de editais e que necessitam de maior visibilidade e valorização. 

Em um show muito emocionante, a banda natalense Plutão Já Foi Planeta fez sua primeira apresentação na cidade após ser anunciada no line up de um dos maiores festivais de música do Brasil (Lollapalooza 2018, que ocorrerá no próximo mês de março) e ressaltou toda sua gratidão ao seu fiel público potiguar. Performou diversos hits que já estão na ponta da língua dos fãs (provenientes de seu segundo disco “A Última Palavra Feche a Porta”, lançado no final do semestre passado, com canções como “Alto Mar” e “Me Leve”), além de relembrar sucessos antigos, como “Viagem Perdida”. O ponto alto do show foi o beijaço LGBT, acompanhado de um protesto contra a recente decisão que envolve a “Cura Gay”. 

Casais que participaram do beijaço LGBT e a banda no palco/Foto: Diego Marcel

É indescritível o sentimento que se dá com a entrada da Banda Uó no palco. Apesar de virem de Goiânia, não é difícil sentir-se no Pará com essa verdadeira mistura de tecnobrega, funk, ritmos latinos e paraenses. Surgida em 2010, é formada pelos vocalistas Mel Gonçalves (Candy Mel), Davi Sabbag e Mateus Carrilho. O trio não deixou o público ficar parado, porque além de cantar hits como Shake de Amor, Catraca e Corpo Sensual (parceria de sucesso de Mateus e Pabllo Vittar), incrementou ainda mais o show com coreografias, melodias envolventes e letras descontraídas.

Finalizando o primeiro dia, Nando Reis voltou ao festival com o show de “Jardim-Pomar”, disco de sua fase independente. O mais recente trabalho do cantor reforça sua poesia leve e musical, falando de amor, vida, família e cotidiano. Como se não fosse comovente por si só, o show conta com imagens projetadas que ilustram as letras das canções, além de ter músicas mais antigas e famosas, que foram as responsáveis por conquistar esse público tão apaixonado. Além disso, o show do cantor contou com uma homenagem especial à falecida amiga Cássia Eller, com a icônica “All Star”, feita por Nando em 2000 sobre a amizade dos dois. O público pôde relembrar essa grande parceria do pop/rock nacional com “Relicário” ao longo do show, e na volta de Nando ao final com “O Segundo Sol”, uma das músicas mais emblemáticas da cantora.

Nando Reis durante sua apresentação/Foto: Luana Tayze

Segundo Dia 

A abertura do segundo dia de festival contou com a participação da DJ Monizza, que trouxe as batidas do rock clássico e hits eletrônicos internacionais mesclados com sua criatividade, criando remixes de tirar a plateia do chão. 

Depois de tocar no Rock in Rio, a banda natalense Kung Fu Johnny voltou ao palco do Mada para uma apresentação cheia de moral trazendo o tradicional rock de garagem com as letras em inglês que são a marca da banda. Na mesma pegada autoral e conceitual que foram a tônica do festival, as goianas da “Carne Doce” se apresentaram em seguida e a vocalista e compositora da banda Salma Jô declamou poemas, bem consoantes com as letras cheias de lirismo crítico do álbum “Princesa”.

A temática antiproibicionista do DuSouto em “Se Legalize” deixou uma mensagem muito clara da proposta dos potiguares com o novo álbum, “Conecta”. Mistura de eletro e reggae music com muita brasilidade, os meninos cantaram o hit “Cretino”, incendiaram o palco Skol e adicionaram o ânimo necessário para os grandes shows que viriam na sequência.

A rapper curitibana Karol Conka levantou o público com seu show cheio de batidas fortes e letras cheias de empoderamento feminino. Em sua segunda apresentação em Natal, certamente a cantora pode sentir o quanto é admirada na cidade. Um dos nomes mais representativos dessa boa safra de rappers feministas, Conka mostrou que é uma artista diversificada que caminha por vários estilos e fez questão de interpretar “Back to Black” de Amy Winehouse ao final de seu show, atendendo a pedidos dos fãs pelas redes sociais. O público acompanhou as letras de “Tombei” e da censurada “Lalá” dançando como pede a frenética batida. Mas o show coeso da cantora trouxe também músicas mais melódicas no início como “Bate a Poeira”, cantada em uníssono pela plateia, e a impactante “Sandália”, parceria dela com Rincón Sapiência.

Muita esperada pelo público, a apresentação da rockeira Pitty não fez por menos. Com direito a clássicos de sua carreira e projeções modernas, era praticamente impossível ficar parado durante seu show. Ela cantou hits consagrados de seus dois primeiros álbuns e as letras politizadas que marcam a composição da cantora ensejaram gritos de “Fora Temer” na plateia, mostrando que, “Anacrônico”, por exemplo, não poderia ser mais atual apesar de já estar perto dos 13 anos. A baiana, que já veio para outras edições do MADA, entre elas a primeira (1998), também fez questão de deixar claro que estava muito satisfeita por se apresentar na capital novamente, tendo em conta sua interpretação com as participações especiais de Karol Conka e Baiana System, as quais levaram o público ao delírio.

Pitty e Karol Conka/Foto: Luana Tayze

Tendo sua aparição criticada por alguns e elogiada por outros, quem veio na sequência foi a drag queen potiguar Kaya Conky, num pocket show de lançamento do EP “Sabe que Vai”. Trazendo vários covers dos maiores hits do atual funk brasileiro e do pop internacional, acompanhada de dançarinos e muita coreografia, a cantora intensificou a euforia da plateia finalizando seu show com o hit autoral “E aí bebê”. No fim, a drag passou uma mensagem para o público sobre sua experiência pessoal com os preconceitos que sofre, incentivando todos a seguirem seus sonhos.

O encerramento do MADA 2017 se deu com um épico show do grupo Baiana System. Com um som de melodia agradável e letras de protesto do álbum “Duas Cidades”, cuja faixa-título foi interpretada em dueto com Pitty, a banda mostrou porque o som que mistura a guitarra baiana com o sound system jamaicano é um dos mais aclamados na atualidade. 

A faixa “Playsom” integrando a trilha do jogo Fifa 2016 e a novíssima “Capim Guiné”, com participação de Margareth Menezes e da cantora transexual angolana Titica, ambas executadas no palco do MADA, dão uma dimensão do tamanho que o Baiana System se tornou.


Baiana System/Foto: MTV

Além de um grupo com um conceito artístico bem definido, que sob a direção de Felipe Cartaxo distribuiu as famosas máscaras para a plateia, o show traz uma forte mensagem política não só nas letras estruturadas em torno de temáticas sociais como nas intervenções do vocalista Russo Passapusso, que interagiu muito com o público citando Darcy Ribeiro e comandou a significativa coreografia de “Panela”. A banda, que veio a Natal pela primeira vez e claramente tem muito público por aqui, não deixou a desejar.





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