Por Ana Flávia Sanção
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Foto: Ana Flávia Sanção |
Pneus, um quadrado de cimento pintado com giz (ou era tinta
branca?), uma mesa de ping-pong improvisada, uma gangorra de estrutura suspeita
e muitas crianças brincando. Essa era a visão do parquinho infantil montado
para a II Ação Social promovida pela Associação de Moradores do Loteamento
Bosque Brasil, em Macaíba.
Mais
fascinante do que participar da infância, é observá-la quando se é adulto. Por
isso, passei um tempo olhando, rindo e absorvendo aquela realidade muito
diferente da que eu tive e completamente alheia a que os meus irmãos mais novos
têm hoje. As crianças, por mais que você não goste de cuidar delas, ou não
tenha vocação materna/paterna, são os seres mais interessantes para mostrar
como a vida pode parecer simples e que, na verdade, somos nós, adultos, que
complicamos basicamente tudo.
Não
estou relativizando a realidade daquelas crianças nem muito menos ignorando as
coisas pelas quais elas passam e já passaram. O que eu quero dizer é que, acima
de tudo, de todas as dificuldades, elas conseguem ser genuinamente felizes sem precisar de muita coisa.
Faço um paralelo com a vida que meus irmãos tem, os dois na mesma faixa etária
das crianças que brincavam lá. Aqueles pequeninos pulavam de pneu em pneu,
subiam nas árvores, apostavam corridas e jogavam pedrinhas na amarelinha — às
vezes algumas grandes demais, que se seguiam de um grito “Menino, largue essa
pedra!”. Já os meus irmãos, apesar de brincarem na rua uma vez ou outra, passam
boa parte do dia mexendo no celular ou vendo televisão.
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Foto: Ana Flávia Sanção |
Todo
esse avanço tecnológico que chegou à geração dos anos 2000 não é uma coisa
generalizada. Talvez ele tenha conseguido se infiltrar na sociedade, mas não da
mesma forma em todas as camadas, e quando encontramos crianças que ainda
brincam com pneus velhos enterrados na areia e que não ligam para qual o melhor
youtuber do Brasil, percebemos que muito
daquilo que é essencial para a infância ainda está preservado.
Com os
cachinhos loiros e um sorriso contagiante, A., de 9 anos, uma menina animada e
falante, contou orgulhosa de como não usava muito o celular e, ao invés disso, gostava
de brincar na rua e praticar atividades físicas. Ela já fez balé e adora as
aulas de educação física. Queria fazer teatro e tem o sonho de se tornar
médica. Por esse motivo, estuda muito e diz com felicidade que está entre os
cinco melhores da sua sala de aula de quinto ano. Enquanto sua hora não chega,
brinca de médica com seu irmão mais novo e suas bonecas.
Quando
era mais nova, A. teve de cuidar do seu irmãozinho porque a mãe não tinha com
quem deixá-los na hora do trabalho e sua avó, a quem tanto amava, tinha
falecido após lutar contra um câncer. “Eu amava tanto minha avó que chorei por
três dias”, contou, sem ceder à tristeza do assunto.
O mais
impressionante é a forma como essas crianças são maduras para suas idades.
Falam com a clareza e sagacidade de um adulto e confiam em você apenas se você
demonstrar ser alguém que vale a pena. Elas reconhecem o que é bom e o que é
ruim e sabem o que querem ser quando crescer — ou pelo menos tem uma ideia.
R., um
menino curioso que chegou à rodinha depois de ver que conversávamos com seus
amigos, disse, com uma expressão de reprovação, que um de seus colegas de sala
queria ser ladrão quando crescesse. Ele, ao contrário, quer ser policial, mas
não sabe responder bem o motivo disso. Quando questionado, ele só soube dizer “Porque
eu quero”. Bem, R., garanto que você terá bastante tempo para descobrir suas
razões.
B. C.,
uma menina de 10 anos, simpática e sorridente, também me deixou intrigada. Ela
brincava de amarelinha quando eu cheguei perto do playground improvisado. Magrinha
e pequena, ficou guardada na minha memória como a menina do sorriso perfeito. Conversamos
por quase quarenta minutos. Ela me contou que era a mais velha de quatro
irmãos, que sabia tocar violão, que fizera balé, que tinha dois bichos de
estimação, uma gata chamada Mariana e um cachorro chamado Aladim, que gostava
de balanços e de brincar de tica-tica e esconde-esconde. Quando perguntei em
qual série escolar ela estava, B. C. me respondeu, com o esclarecimento de uma
adulta: “2º ano. Mas é porque eu demorei muito para entrar na escola”.
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Foto: Ana Flávia Sanção |
A
lucidez com que crianças como B.C e A. lidam com a vida e todas as suas
dificuldades é uma lição para todos nós. Mesmo tendo os mais justificáveis motivos
para reclamar e se sentirem injustiçadas, elas preferem lidar com aquilo da
melhor forma possível: vivem a sua infância. Elas são puras e inocentes, mas ao
mesmo tempo são mais resilientes que a maioria dos adultos. Não há chuva
demais, sol demais, vento demais ou calor demais para elas. O mundo que esses
pequenos enxergam é um mundo mais bondoso e compreensivo do que nós, já
crescidos, conseguimos absorver.
Eu,
que não sabia o que esperar nem o que fazer durante o caminho até a Ação
Social, me deparei com uma pauta que me surpreendeu. Nunca fui ligada a
crianças de forma especial. Mas, nesse sábado, eu pude sentar e entender um
pouquinho de um tipo diferente de criança. Um tipo que brinca na areia, na rua,
com os coleguinhas, que pulam pneus e riscam amarelinhas no chão. Um tipo que
lidou com responsabilidades pesadas quando mal tinham consciência do que
significava a palavra responsabilidade. Um tipo que tem a realidade do mundo
brigando com seus sonhos de vida, mas que continuam felizes.
Como
última reflexão, deixo um conselho: quando as coisas estiverem apertadas, aja
como criança: pule amarelinha.
Ela
pode te levar até o céu.
Ótimo texto!
ResponderExcluirMuito boa a matéria.
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