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Ministério de Temer é a cara do golpe

Por Pedro Vinícius Dantas

A deposição de uma presidenta legal e democraticamente eleita por forças golpistas é, em si, praticamente inimaginável, repugnante. Olhando em retrospecto, para quando Dilma Rousseff, Aécio Neves, Luciana Genro e Marina Silva digladiavam-se nos púlpitos televisionados dos debates presidenciais, o cenário futuro parecia, senão claramente incerto, pelo menos pleitado na democracia. Ainda que as forças polarizadas demonstrassem que a partida se acirraria em algum momento (
era natural, diziam), a confiança no sistema político prosseguia como pilar, uma segura e inescapável base; quase como um alento, até. Dilma terá dificuldades para governar, pensou-se, mas os próximos quatro anos serão certamente conduzidas sobre sua — tantas vezes falha — tutela; o que se pretendesse mudar, ora, seria conquistado apenas nas próximas eleições, em 2018, no curso apropriado. No entanto, com o pseudo-impeachment, os Cunhas, os Aécios, os Temers, os folhetins politiqueiros e os patriotas anti-corrupção, a história brasileira, que pouquíssimos presidentes viu concluir os mandatos para os quais foram eleitos, e a democracia saem, direto das entranhas, estremecidas, golpeadas.
 
O governo interino do Vice-Presidente da República Michel Temer, eleito para nada além desta função, trajado nas vestes obscuras do golpismo, desponta sem, curiosamente, temores. Ao lado de suas pontes corrompidas que não levam a qualquer lugar que não ao atraso, os conchavos prévios e as alianças escusas saíram das mesas redondas de seus escritórios suntuosos para o mundo: exibiram-se em meio a sorrisos cínicos e apertos de mãos que mostravam, desde cedo, quem eram e a quem representavam. Com o apoio de parte das ruas e dos que consentiram às manobras, Temer pariu a composição ministerial que é a cara do golpe que encabeça: homens brancos, ricos e, como esperado, corruptos.

Dos 23 ministros anunciados por Temer, três deles fazem parte de investigações da Polícia Federal ligados à Operação Lava-Jato; entre eles, o ex-deputado Henrique Eduardo Alves e Geddel Vieira Lima, ambos do PMDB, passam a ter foro privilegiado e só podem ser investigados pelo Supremo Tribunal Federal — um movimento similar à nomeação do ex-Presidente Lula para o comando da Casa Civil, ainda que sem a proporcional histeria e horror coletivo que esta causou, apoiada pelos veículos de comunicação de massa e por parcelas do judiciário. Na lista, encontram-se nomes como os de Mendonça Filho, que assume o Ministério da Educação, do DEM, partido que lutou no STF pelo fim das políticas de cotas; Alexandre de Moraes, do PSDB, que já foi advogado de Eduardo Cunha e teria recebido a indicação deste para exercer a função de Ministro da Justiça; e Blairo Maggi, novo ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, do PP, bilionário e um dos maiores produtores de soja do planeta, que relatou PEC que propõe fim do licenciamento ambiental.

Sem deixar de citar, é claro, o próprio Michel Temer, diversas vezes citado em investigações da operação Lava Jato e enquadrado na Lei da Ficha Limpa pelo Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo (TRE-SP), em razão de doações de campanha acima do teto máximo permitido. Temer, inusitadamente, está inelegível pelos próximos oito anos, a contar das eleições de 2018.
 
Se os perfis dos ministros — com suas declarações deploráveis e currículos pouco condizentes às pastas que devem comandar — e do próprio líder que os guia não forem apontamentos suficientes da narrativa que se constrói, a extinção de alas como o Ministério da Cultura e o Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos demonstra, sem surpresa, qual o olhar dos golpistas a respeito destas pautas: questões necessariamente secundárias, que não encarnam — ou pouco o fazem — um projeto político cidadão e popular. Além disso, a anexação destas pastas em outros ministérios marca uma redução sensível no potencial de atuação que cada uma possui individualmente.

Sem negros e mulheres, a bancada branca, masculina e velha de ministros revela uma faceta inegável (e também intragável): a de que Temer governará, em seu mandato fajuto, para parcelas privilegiadas da população, sem buscar alcançar o universo da pluralidade cultural do povo brasileiro, como sustentava Darcy Ribeiro. Nesse sentido, é talhado a duras penas, outra vez, o Estado de Direito: no opaco do homogêneo, no indistinto do igual, perde-se a vividez do diferente, do diverso; descolore-se a própria democracia.

Mesmo os mais otimistas devem concordar que o tempo é de tudo menos de paz. Com Temer, a resposta à crise política e econômica, além de fingir que ela não existe, é o trabalho; um trabalho alheio a ele e seus comparsas, como se a classe trabalhadora brasileira não estivesse trabalhando, como pode, para superar as adversidades que se acumulam; como se não estivesse, diariamente, esforçando-se pela própria sobrevivência, em cargas que os subtraem da própria humanidade.
 
Mas em seus panteões, alojados em palácios escandalosos, os golpistas e Temer não enxergam nada senão as próprias contas rechonchudas, o capital e os interesses que advogam; imersos em suas jogatinas e partidas de xadrez que põem em xeque - mais que o status quo a que se agarram como condenados - toda uma nação, eles observam, agora não mais em silêncio, o plano concretizando-se. Não veem as mulheres, não veem as negras e negros, não veem os LGBTs e não veem os pobres deste país. Não veem ninguém além deles mesmos e seus egos colossais. Assim, encenam a crônica como querem, assaltam a democracia como sempre pretenderam. Mas a história há de conferir aos seus nomes a alcunha da qual hoje tentam fugir: golpistas.

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