Recentes

Carinhosa

*Por Maria Clara Pimentel

“Não sei por que, mas meu coração bate feliz quando te vê”. Lhe confessei enquanto prendia a respiração por uns bons segundos – parecia mais seguro assim, já que temia sua resposta e, consequente, desaprovação. Vinha pensando nisso há tempos: no quanto gostava dele, em como meus olhos sorriam involuntariamente em sua companhia e no fato de que, simplesmente, não conseguia evitar segui-lo com os olhos na rua, até o perder de vista. Ansiava por dizer-lhe do amor sincero que sentia, já que o queria de todos os possíveis e imagináveis jeitos.

Por vezes acordei durante a noite, depois de um mesmo sonho no qual lhe gritava a plenos pulmões para vir, vir e matar a paixão que me devorava o peito. É claro, os sonhos variavam, às vezes traziam finais felizes e ficávamos juntos, o que me fazia ficar besta o resto do dia pensando nisso; enquanto outras vezes, que infelizmente somavam a maioria, os enredos vinham em forma de pesadelo: ele me dispensava, ria da minha cara e me mandava ficar longe. Esses me faziam passar por um inferno, já que eu ficava não um, mas dois dias triste – e isso por algo criado única e exclusivamente na minha cabeça.

A verdade é que a gente nem tá junto, mas ele só me traz preocupação, e as borboletas na barriga que sinto não são de um jeito lá muito saudável... É ansiedade pura, porque me alegro quando o vejo, contudo não consigo decodificar o que ele pode sentir quanto a mim – se é que sente algo. Percebe? É disto que estou falando. Nós não temos nada, e, ainda assim, ele só faz me tirar o juízo.

O pior é que ele deve perceber que gosto dele, já que não sou de ser muito discreta e o inevitável sorriso bobo que ponho no rosto toda vez, esteja chuva ou esteja sol, provavelmente já me denunciou há tempos. Só que mesmo assim, ele foge de mim. O que quero mesmo é saber a sua opinião sobre tudo isso, sobre nós. Se ao menos soubesse o quão carinhosa posso ser… Se somente tivesse a noção de como são quentes os meus lábios, que tanto procuram pelos seus… Então eu seria feliz. Epa, mas peraí.

Finalmente seu rosto começa a se transformar. É evidente a confusão em sua cabeça nesse momento, já que parece não saber o que dizer – nem com a boca e nem com as feições. Enquanto não fala nada, volto à minha epifania. E eis que identifico o quão estúpida me sinto. Nem mesmo quero que ele responda. Se eu acredito que somente o tendo poderei me sentir completa, eu o rejeito. Um cara desse mais me suprime que me bota pra cima. Mesmo que sem intencionalidade, ele faz isso, e eu não aceito essa situação pra mim.

Deus que me livre me submeter a suas fisgadas problemáticas que só me trariam mais dor de cabeça. Prefiro ir embora com o resto do equilíbrio emocional que me sobra. É isto, estou decidida. Antes que ele por fim consiga montar alguma sentença, peço licença e começo a minha fuga. Mantenho aquele mesmo sorriso no olhar, agora, no entanto, com milhares de pesos a menos nas costas. Ele ainda está desconsertado, mas, enquanto flutuo na minha saída, também percebo um certo alívio de sua parte. Não se preocupe, lhe digo, não precisa mais vir matar a minha paixão, pois ela já morreu. Dessa vez, eu vou atrás de dar carinho a mim mesma.

Reinterpretação da música “Carinhoso”, cantada por Marisa Monte e Paulinho da Viola.

Um comentário:

  1. Nem sempre as palavras do olhar, retratam os versos que só os lábios sabem contar!
    Nem sempre os sonhos, falarão do futuro, como pretendem às cartomantes.
    Nem sempre...

    Nem sempre o sorriso fácil denuncia. Nem sempre!
    Nem sempre fugir foi a escolha do outro. Talvez, esteja apenas seguindo seu próprio caminho que destoa e desencontra porque é natural desencontrar.
    Nem sempre se dar carinho, vai compreender o sentido do apreço. Pois não se pode dar a sí mesmo do próprio tesouro.
    Nem sempre...

    Mais vale fazer de um segundo real, um eterno amor, do que ter nas próprias mãos uma eterna vida de sonho. Fadada, apenas, ao Nem sempre!

    ResponderExcluir