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Sem mim ou para mim?

POR MARIA CLARA PIMENTEL

(Foto: A. Favali)

Terminei de escutar a música que você disse representar perfeitamente seu sentimento por mim. Eu estava em choque. Apesar do ritmo suave e da letra extremamente romântica, eu não conseguia me sentir bem com aquilo. Você continuava repetindo: “É pra acabar com esse negócio de você viver sem mim”. Sou só eu que identifico o teor de um amor tóxico aqui?

Você vive dizendo que está farto de sentir saudade de mim; que, quando estou fora, você só faz sofrer, pois só sente melancolia e tristeza. E lhe falta paz. Quanto a isso, particularmente, sempre acho estranho, já que é normal me sentir muito leve e feliz toda vez que estamos separados. Não me leve a mal, eu também gosto muito de você, mas fazer o quê se amo viajar? Ser liberdade em locais diferentes e não viver de rotina, não há nada melhor.

A vibe do Tom Jobim que nos embala é ótima, isso não dá para discordar, mas, convenhamos, a letra está mais para psicótica. Claro, eu não me nego a receber os milhões de abraços apertados, colados e calados assim. É algo que adoro receber. E nunca faria cara feia dos beijinhos em maior quantidade que os peixinhos a nadar no mar, acho a coisa mais linda. Só que viver separado pode ser bom, sim, e ter saudade é quase essencial para manter a chama acesa. Qual é o mal nisso?

Há paz e há beleza. A tristeza e a melancolia podem, sim, sair de você, é só fazer um esforço. Sai de você, sim, sai! Tenha isso em mente, aproveita a vida, dá valor às suas coisas também. Para de me fazer o centro do seu mundo, eu literalmente não mereço. Sem mim, pode ser, sim; você consegue fazer qualquer coisa, tenho certeza. Se eu me dou tão bem sozinha, por que motivos você não se daria também? Que coisa linda seria se aprendêssemos a viver sem um ao outro. Que coisa louca...

Na real, não precisa fazer prece para que eu regresse, estou pensando mesmo é em ficar por aqui. O que tivemos foi especial, mas prefiro ficar longe de alguém que pensa que não é ninguém sem mim. É muito peso nas minhas costas, eu não dou conta da responsabilidade, tenta me entender. Você nunca precisou de todas aquelas coisas para me ganhar: todas as serenatas, os buquês de flores, as declarações. É triste saber que você acha que precisou disso tudo para que eu ficasse contigo. Talvez não me conhecesse direito, afinal.

Agora sou eu quem te digo: é pra acabar com esse negócio de você viver pra mim. E te asseguro, é pro seu próprio bem.


Conto baseado em reinterpretação da música “Chega de Saudade”, de Vinícius de Moraes e Tom Jobim.

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