Recentes

Cores, sabores e histórias da Feira do Carrasco

O mercado informal é composto por um povo alegre que adora exaltar o trabalho desempenhado há anos no local e compartilhar suas vivências


POR CAMILA EMILY E FRANCISCA PIRES

Com uma extensa variedade de produtos e propostas, a feira é uma das maiores da região - vai da Av. Bernardo Vieira até uma parte do bairro Alecrim - e possui ao todo 819 bancas com produtos frescos que agradam a clientela há anos. Sua criação data do ano de 1967 e seus fundadores afirmavam que nesse tipo de comércio existia um modo de melhorar as condições do local em que viviam, por isso se interessaram em montá-lo.

Os produtos vendidos vão desde frutos do mar, animais vivos ou já preparados para cozinhar, frutas, temperos, roupas e até brinquedos. No entanto, cada banca conta também com a história dos feirantes e os desafios que eles enfrentam para sustentar suas famílias com a renda proveniente da feira.

Esse é o caso do seu João Isídio de Oliveira, hoje com 76 anos. Ele conta que trabalha como comerciante em Natal desde 1962, quando veio do município de Várzea com seus irmãos. Segundo o feirante, desde o início, sempre optou por vender cereais. Hoje seu fornecedor vem de Nova Cruz para vender os grãos que são revendidos na feira do Carrasco. Pai de um casal de filhos, seu Isídio sempre sustentou a casa e a família com o dinheiro da venda dos grãos. Apesar de sério e retraído no início, o idoso que esbanja vitalidade logo se soltou e, com muita disposição, pediu para fazer uma pose para a fotografia.



Uma das maiores bancas de frutas da feira pertence a um homem de 44 anos chamado Milton Neto. Ele, bem-humorado e falante, conta que trabalhar na feira é motivo de orgulho, pois é independente, faz seus horários e trabalha com vendas, sua grande paixão. “Trabalhei a vida toda em feiras, hoje trabalho nessa e em todas as de Natal; não me vejo fazendo outra coisa de jeito nenhum”, diz. No entanto, esse homem feliz e realizado possui uma grande frustração: seu único filho não compartilha do mesmo amor pela venda de frutas e, logo cedo, optou pelos estudos. Hoje, o filho cursa Medicina e, apesar de sentir orgulho da carreira que ele escolheu, Milton confessa que é uma tristeza que a tradição de ser feirante, que começou com seu avô, pare na terceira geração.



Outra banca muito popular na feira do Carrasco é a das vizinhas Jailma Fernandes, de 46 anos, e Layla Raquel, de 19. Vendendo os mais diversos tipos de fruta, Jailma conta que está na feira há 20 anos e que prefere esse tipo de comércio pela autonomia que o negócio proporciona. Assim como em boa parte dos entrevistados, a banca não funciona apenas na feira do Carrasco, mas em diversas outras de Natal e região. Layla, por sua vez, apesar da pouca idade, conta que já tem muita experiência, pois trabalha no ramo desde os 13 anos. O fato de serem vizinhas impulsionou a sociedade que elas mantém hoje.



Trabalhando como feirante desde 1964, seu Luiz José, de 67 anos, viu na venda ao ar livre uma oportunidade de garantir sua renda e construir uma vida em Natal, logo que chegou da Paraíba. Ele conta que anteriormente havia trabalhado apenas como operário em uma fábrica e, apesar de ter vendido, durante esses 55 anos, produtos de todo tipo, a venda de temperos é sua grande paixão. Muito falante e entusiasmado para ajudar, seu Luiz fez questão de apresentar todos os seus “vizinhos de banca” e o tempo todo exaltava o trabalho que os feirantes desempenham toda semana, acordando de madrugada e mantendo uma rotina exaustiva a fim de oferecer produtos de alta qualidade para os seus clientes.



Entre uma banca e outra, Kaline Andrade, 35, fazia suas compras atenta a cada oferta que era gritada a plenos pulmões pelos feirantes. Cliente assídua da feira, a mulher é velha conhecida dos comerciantes, que já contam com sua presença no local toda quarta-feira. Seus produtos preferidos são o milho, o peixe, o feijão verde, as frutas e o principal: o atendimento. Kaline conta que, por morar perto da feira do Carrasco, jamais trocaria a experiência para comprar em um supermercado: “Eu gosto porque é tudo fresquinho e o espaço é ao ar livre. Além disso, o preço aqui é muito melhor; ainda mais hoje que todo mundo está em crise. Eu adoro.”



Entre uma banca e outra, uma situação triste quase sempre se repete: a falta de trabalho. Muitos feirantes estão ali por pura satisfação e orgulho do que fazem - isso é uma verdade incontestável. Mas uma grande parte dos feirantes entrou nesse ramo por necessidade, devido à falta de espaço no mercado de trabalho.



Debulhar feijão verde não é o suficiente para garantir a renda de uma família, mesmo trabalhando em mais de uma feira por semana. O trabalho é árduo desde às três horas da manhã, quando os comerciantes começam a chegar, e a renda é pouca. Uma família com quem conversamos contou que é difícil o dia a dia e exclamou: “Quando dá, dá. Fazer o que né”, lamentam sobre o valor arrecadado. A realidade é dura, mas desistir não é uma opção para eles.



A feira livre não tem de livre só o nome. Dona Selma Barbosa, 41, trabalha há mais de uma década em feiras e frisou várias vezes, com o sorriso no rosto, o aspecto que ela mais gosta no trabalho informal: “Eu não tenho patrão. Sou livre e tenho autonomia para conduzir meu trabalho como bem entender. Não trocaria ser feirante por nenhuma outra coisa”. Diferente de grande parte dos seus colegas, Selma consegue tirar seu sustento e fazer uma renda boa a ponto de conseguir cobrir suas despesas com a venda de coco seco. Ela conclui que, por ser muito utilizado o ano todo e em todas as épocas do ano, o produto gera lucro.



A mulher é um exemplo de luta e carisma, trabalha em mais de quatro feiras e fala com carinho sobre sua profissão. Orgulhosa da função que desempenha, a vendedora fez questão de pegar o celular para mostrar a quitanda de frutas que mantém em frente à sua casa. Com a liberdade e autonomia que muitos sonham, dona Selma representa uma parcela da população natalense que ignora o preconceito e vê na venda dos seus produtos a esperança de dias melhores.



Penera aqui, debulha ali e é dessa forma que tentam ganhar o pão de cada dia. Você pode estar lá por puro prazer ou por pura obrigação, a qual foi condicionada pela falta de oportunidade em outras áreas. A feira, além de frutas, carnes e verduras, é repleta também de cores, sabores, histórias e texturas.

Nenhum comentário