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Existe caixa-preta no BNDES para ser aberta?

Polêmica foi um dos motivos que levaram à demissão do presidente do banco


POR VINICIUS VELOSO E YURI GOMES

No último dia 16, um domingo, o economista Joaquim Levy pediu demissão da presidência do BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social) após ser fortemente criticado pelo presidente Jair Bolsonaro, um dia antes, em conversa com a imprensa. O principal motivo das críticas foi a nomeação do economista Marcos Pinto - que trabalhou na instituição durante o governo de Luiz Inácio Lula da Silva - para a diretoria de Mercado de Capitais do banco.

“Eu já estou por aqui com o Levy. Falei para ele: ‘Demita esse cara [Marcos Pinto] na segunda-feira ou eu demito você’(...) a cabeça dele [Levy] está a prêmio já tem algum tempo”, disse Bolsonaro, no sábado (15), a jornalistas.

Joaquim Levy pediu demissão do cargo no dia 16 após declarações do presidente Jair Bolsonaro (Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil)

Além da nomeação de Marcos Pinto, Joaquim Levy causou descontentamento ao não levar à frente uma das promessas de campanha de Jair Bolsonaro: investigar os empréstimos feitos pelo BNDES para financiar obras de infraestrutura no exterior durante os governos do PT. Paulo Guedes e Bolsonaro insistem que a abertura da “caixa-preta” do banco revelaria esquemas de corrupção.

A resistência em devolver R$ 126 bilhões do BNDES ao Tesouro, neste ano, também contribuiu para o desgaste de Levy junto a Paulo Guedes, que contou que o economista “não resolveu o passado nem encaminhou solução para o futuro”.

Secretário do Tesouro no governo Lula, entre 2003 e 2006, e ministro da Fazenda de Dilma Rousseff (PT), em 2015, Joaquim Levy acumula passagens por gestões petistas. Contudo, apesar do antipetismo do presidente, sua indicação para a chefia do BNDES foi bancada pelo chefe da Economia, Paulo Guedes.

A saída de Levy é a primeira baixa na equipe econômica de Paulo Guedes. Ministros já foram demitidos na pasta da Educação (Ricardo Vélez Rodriguez) e nas secretarias de Governo (General Santos Cruz) e Geral da Presidência da República (Gustavo Bebianno).

O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que recentemente, ao comentar declarações críticas do ministro Paulo Guedes ao relatório da reforma da previdência aprovado na comissão especial, chamou o governo Bolsonaro de "usina de crises", reagiu à demissão de Joaquim Levy taxando-a como uma "covardia sem precedentes".

Na segunda-feira, 17, o governo anunciou o nome do economista Gustavo Montezano para o comando do BNDES. Segundo o porta-voz do Palácio do Planalto, Otávio Rêgo Barros, Bolsonaro já solicitou ao novo chefe do banco de fomento que a "caixa-preta do passado" seja aberta e que se aponte "onde foram investidos em Cuba e na Venezuela, por exemplo".


Impactos no mercado

O mercado não viu com bons olhos a saída de Joaquim Levy da presidência do BNDES, pois o fato poderia desencorajar bons nomes a aceitar convites para entrar no governo, com medo de acontecer com eles o que houve com Levy.

Ainda, os episódios desgastantes na gestão Bolsonaro causam instabilidades em setores da economia, segundo dizem especialistas da área. O economista e ex-ministro da Fazenda de José Sarney, Maílson da Nóbrega, em entrevista à Globo News, disse que o BNDES perdeu um “profissional de alta qualidade”.


A caixa-preta do BNDES

Na campanha presidencial de 2018, Jair Bolsonaro prometeu que abriria a caixa preta do BNDES, ou seja, ele revelaria todos os contratos de empréstimo firmados pelo banco de fomento no exterior. Segundo ele, os governos do Partido dos Trabalhadores (PT) usaram recursos do banco para financiar obras em países de esquerda e regimes ditatoriais na África e América Latina (Angola, Moçambique, Venezuela e Cuba, por exemplo). Para Bolsonaro e aliados, os dados dessas operações permanecem escondidos.

Hoje, o BNDES não mantém sigilo acerca de suas operações no exterior, como mostra o site da instituição. Criado em 1952 durante o governo Vargas, o banco manteve, por muitas décadas, as suas atividades financeiras em segredo. Volumosos financiamentos com juros subsidiados concedidos a empresas envolvidas na Lava Jato aumentaram a polêmica da “caixa preta”, em especial nos anos dos governos petistas. .

Apontado como instrumento das gestões Lula e Dilma para apoiar governos de esquerda aliados, o BNDES deixa claro em seu site que não empresta dinheiro a países, mas sim a empresas brasileiras exportadoras de bens e serviços - principalmente obras de infraestrutura. Após as exportações, os países importadores passam a dever ao banco, e não às companhias brasileiras.

Segundo dados do banco, no período de 1998 a março de 2019, foram gastos US$ 10,500 bilhões no “apoio à exportação de serviços de engenharia” - como o programa é nomeado. Ao todo, 145 obras brasileiras foram financiadas no exterior, principalmente em Angola, Argentina, Venezuela, República Dominicana, Equador e Cuba - países que concentram cerca de 93% dos desembolsos.

Essa política de apoio às exportações brasileiras ganhou notoriedade durante os governos Lula e Dilma, que defendiam que as empresas brasileiras deveriam ganhar espaço nos mercados emergentes da América Latina e da África. Cinco empreiteiras concentraram o apoio à exportação do BNDES: Odebrecht, Andrade Gutierrez, Queiroz Galvão, OAS e Camargo Corrêa.




Obras e dívidas

Algumas obras financiadas com dinheiro do BNDES tornaram-se conhecidas no debate nacional. O mais notório é o Porto de Mariel, em Cuba, que foi construído pela Odebrecht em cinco etapas, entre 2009 e 2013, e custou um total de US$ 652 milhões. Na corrida presidencial de 2014, os adversários de Dilma Rousseff usaram a obra para acusar a petista de estar financiando a ditadura cubana.

Outro exemplo conhecido é o da construção do Aeroporto de Nacala, em Moçambique, também executada pela Odebrecht, que custou US$ 125 milhões ao BNDES. Do valor financiado, nada foi pago pelo governo moçambicano e o aeroporto está praticamente abandonado.

Em Moçambique, o Aeroporto de Nacala foi construído pela Odebrecht com dinheiro do BNDES, mas o país deixou de pagar a dívida em 2017 (Foto: BBC News Brasil)

Feitas pela mesma construtora, as linhas 3, 4 e 5 do Metrô de Caracas custaram US$ 385 milhões. Outras obras foram realizadas em solo venezuelano, como o Estaleiro Astialba e a Siderúrgica Nacional. A Venezuela, hoje afundada numa grave depressão econômica, não liquidou todas as suas dívidas com o BNDES.

Somadas, as dívidas em aberto de Cuba, Moçambique e Venezuela chegam a 518 milhões de dólares, aproximadamente R$ 2,2 bilhões a valor presente.



Os empréstimos feitos pelo BNDES no exterior são assegurados pelo Fundo de Garantia à Exportação (FGE), que é alimentado com recursos do Tesouro Nacional. Dessa forma, quando os países atrasam as dívidas com o banco - como é o caso de Cuba, Moçambique e Venezuela - o governo destina recursos do orçamento federal para cobrir o prejuízo.


A opinião de um especialista: O que é a “caixa preta” do BNDES?

Em relação à “caixa preta” do BNDES, a reportagem conversou com um professor de Administração que trabalha na área de Economia:

- Henrique Souza, professor do Departamento de Administração (Depad) da UFRN:
De fato, não se sabe se essa "caixa-preta" existe. Há correntes que dizem que ela existe e outras que não. Isso ainda é uma incógnita a ser desvendada. Muitas coisas são realizadas em órgãos e autarquias públicas que a população não sabe e/ou jamais saberá, pois possivelmente revelaria transações, acordos e dizeres extremamente comprometedores àqueles envolvidos.
Particularmente não creio na existência [da caixa-preta]. É um tema polêmico, pois não se tem certeza sobre nada, a não ser especulações e “fake news”. Como não se sabe da existência da “caixa preta”, não se pode afirmar se ela foi aberta ou não. É algo que está no auge das discussões devido à saída do Joaquim Levy, que certamente será aos poucos arrefecido pelos interessados com o fim desta discussão.

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