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“C&Todos” só na hora do ingresso

Para conseguirem se formar, os estudantes de C&T têm enfrentado obstáculos em série. Quais são os mais recorrentes e como isso pode ser amenizado?


Por Jéssica Cavalcanti

Você já deve ter ouvido falar na sentença “fácil entrar, difícil sair” no que se refere ao curso de Ciências e Tecnologia da UFRN, não é mesmo? A expressão “C&Todos” também ganhou a boca do povo por causa da grande quantidade de vagas disponibilizadas para ingresso na universidade. Mas, lá dentro, a realidade tem se mostrado nada fácil. Hoje, o curso tem um fluxo de aproximadamente 5.000 alunos. No entanto, os índices de evasão e retenção dos estudantes de C&T são, já há bastante tempo, gritantes frente a outras unidades e departamentos da universidade. Por que isso acontece?

De acordo com dados fornecidos pela Secretaria Acadêmica da ECT (Escola de Ciências e Tecnologia), apenas 3.447 matrículas estão, atualmente, ativas no sistema. Além disso, o percentual de formação por turma é de apenas 40% do grupo ingressante, somando cerca de 200 alunos colando grau por semestre. Os 60% restantes dividem-se entre abandono total do curso (uma estimativa de 25%) e trancamento ou retardo do tempo de formação (agregando, os dois, uma estatística de 35%). Muitas podem ser as razões que implicam nessa realidade. Vamos tentar compreender quais delas têm mais influência sobre esses estudantes.

De uma amostra de 50 alunos e ex alunos do curso de Ciências e Tecnologia, sendo 30 ativos, 7 formados, 7 tendo abandonado e 6 trancado a matrícula, podemos fazer algumas análises mais minuciosas. Dos 37 estudantes que estão cursando ou já concluíram toda a grade curricular, 45,9% já apresentou o desejo de trancar ou abandonar a graduação em algum momento em virtude da insatisfação com o corpo docente; e 40,5% devido ao grau de dificuldade das disciplinas e, consequentemente, às notas baixas obtidas nelas. Do mesmo modo, dentre aqueles que desistiram, esses dois quesitos também foram os mais apontados, porém em ordem invertida: 42,9% queixou-se dos mestres e 50% atribuiu a culpa da própria renúncia ao mal desempenho acadêmico.

Isso se evidenciou mais uma vez quando, ao serem questionados sobre as melhorias mais urgentes para mudar o quadro de evasão acentuada, as respostas dividiram-se, do mais citado para o menos, entre a didática e postura dos professores, a quantidade de alunos por sala e a infraestrutura para estudo em grupo – outras preocupações também foram abordadas, porém com menos frequência entre os entrevistados.

No entanto, essa informação não é novidade. Foi exatamente buscando eximir os estudantes dessa precariedade que o Programa de Tutoria da ECT foi criado. Ele consiste, basicamente, em promover aos discentes um espaço de troca mútua de conhecimento e incentivo. As grandes turmas não só lotam os auditórios e impossibilitam uma aprendizagem plenamente eficiente, como também dificultam os relacionamentos interpessoais entre os próprios graduandos. Por isso, os grupos de estudo formados na Tutoria limitam-se a 6 estudantes (chamados tutorandos) e um(a) tutor(a), que tem o objetivo de conduzir e orientar os alunos nesse processo de aprendizado.

Andressa Azevedo, graduanda do 4º período de C&T, foi tutoranda logo que entrou, em 2015.1. Ela relata que a experiência enriqueceu não só sua vida acadêmica, como a ajudou a criar laços de amizade dentro da academia, que perduram até hoje. “Também me ajudou a saber lidar com aquela mudança de colégio para faculdade, que é uma realidade totalmente diferente”, acrescentou.

O Programa abre as inscrições a cada novo semestre e dá prioridade para os calouros e veteranos repetentes. Já para candidatar-se a tutor, é um pré-requisito que tenha sido antes tutorado. É o caso de Andressa, que hoje é bolsista do Projeto como tutora, pois reconhece o impacto positivo que teve para si e deseja passar isso adiante. “Eu agora auxilio os meus tutorandos tanto a formar esses grupos de estudo, tirando dúvidas, dando dicas, como também fazendo um horário de estudo para eles (...) A ideia é que eu os ajude a conseguir criar uma rotina de estudo, a encontrar uma forma que eles consigam estudar, consigam se sentir motivados”, conta com orgulho.

A evolução no desempenho acadêmico dos alunos que têm recorrido à ajuda do Programa é uma realidade. Os maiores problemas apontados pela amostra aqui analisada de estudantes de C&T estão, portanto, sendo contornados na vida dos universitários que aderiram à Tutoria. Dessa forma, se houvesse um maior engajamento dos alunos, as estatísticas atuais poderiam sofrer alterações substanciais. É necessário divulgar e incentivar mais a procura dos jovens por essa solução em potencial. Havendo demanda, a tendência é que projetos como esse cresçam e se multipliquem dentro do ambiente acadêmico.

Não podemos afirmar que encontramos a elucidação para todos os infortúnios característicos da universidade, uma vez que a sociedade meritocrática na qual estamos inseridos não permite equidade de oportunidades, e jogar toda a responsabilidade pela graduação nas costas dos estudantes seria reafirmar a lógica neoliberal cruel e desigual inerente ao sistema em que vivemos. É imprescindível, sim, rever a estrutura do curso, bem como o corpo docente que não tem satisfeito as necessidades dos alunos, mas há que se reconhecer também que mudanças como essa são estruturais e levam tempo. Logo, medidas provisórias são válidas, desde que o objetivo seja minimamente alcançado. E o objetivo aqui é: proporcionar opções para o universitário que não impliquem em sua desistência, mas que o estimulem a persistir no sonho e na esperança que, primeiramente, o trouxe até aqui, para que, dessa forma, “todos” que entram possam sair com seus respectivos diplomas e aptos a realizarem um bom trabalho enquanto engenheiros e engenheiras do futuro.

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