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RN, o estado dos feminicídios

Por Ana Flávia Sanção
Por Carlos Latuff
228%. Essa é a taxa de crescimento de homicídios femininos de Natal, capital Potiguar - a maior do Brasil. Segundo o Mapa da Violência de 2015, o Rio Grande do Norte ocupava, em 2013, a quarta posição nacional em taxas de feminicídios.

A região nordeste foi a segunda maior no crescimento de assassinatos às mulheres, com 75,2%, atrás somente da região Norte, que possui 75,8%. Em números mais absolutos, o crescimento nordestino contabiliza 79,3%. No ranking das taxas, o RN ocupa o terceiro lugar com 146,1%, atrás da Paraíba (229,2%) e da Bahia (159,3%).

O crescimento do feminicídio no estado do Rio Grande do Norte é um espelho do aumento de homicídios, que chegou a 232% em 2015, de acordo com o Atlas da Violência 2017. Até 2006, o estado ocupava o segundo lugar no número de homicídios femininos, atrás da Paraíba, e no ano de 2013 passou a ocupar o primeiro, com a porcentagem de 111,9%.

Em 2003, a taxa de homicídios por 100 mil mulheres era de 2,2%. Dez anos depois, alcançava 5,3%. Mesmo após uma baixa em 2007, em consequência da sanção da Lei Maria da Penha no ano anterior, o número voltou a subir, chegando aos 146,1%. Somente depois da lei, o número subiu para 97,6%, segundo lugar nacional, atrás apenas de Roraima. Na capital, o aumento dos crimes contra as mulheres é de 262,5%, o maior de todos do Brasil, no período de 2003 a 2013.

Infográfico: G1
Não só a questão de desigualdade de gênero assola essas mulheres, como também a questão da diferença e preconceito racial. Num país onde a mortalidade dos negros é de 37,7% (Atlas da Violência 2017), as mulheres da raça também pagam seu preço - no decênio de 2003 a 2013, o homicídio de negras brasileiras subiu 54,2%, enquanto de brancas caiu 9,8%. No RN, o número de mulheres negras assassinadas nesse mesmo período era de 268,8%, tão somente abaixo da Paraíba, para um de 35,7% de mulheres brancas.

Os números absurdos e exponenciais mostram aquilo que a sociedade brasileira, especialmente a potiguar, ainda não tem: igualdade de gênero. A falta de políticas públicas que alcancem as mulheres - todos os tipos de mulheres - são ineficazes. Diante do pouco avanço que nós tivemos ao longo das últimas décadas, nenhuma parece ter tido o real efeito que utopicamente achou-se que teria.

Para começar, o atendimento básico às mulheres em situação de violência é baixo se comparado com a demanda populacional. Os poucos que existem não conseguem dar conta da quantidade de casos existentes. Para um estado que possui 167 municípios, o Rio Grande do Norte detém unicamente cinco Delegacias de Atendimento à Mulher, localizadas em Natal, Mossoró, Parnamirim e Caicó - os principais centros de concentração populacional. Só no ano de 2016, essas cinco DEAMs registraram a quantidade de 2.553.

Sabe-se também que esse número é bem abaixo do absoluto, pois grande parte das mulheres que sofrem violência não denunciam ou demoram a denunciar. A ligação de emergência à polícia se torna, muitas vezes, intimidadora e fonte de mais ameaças vindas de seus agressores.

“A ampliação e o aprimoramento da rede de atendimento à mulher são fundamentais não apenas para o melhor acompanhamento das vítimas, mas também pelo seu papel na prevenção da violência contra a mulher. Um ponto importante a ser enfatizado é a necessidade de que essa rede possa ser acessada pelo sistema de saúde e não apenas pelo sistema de justiça criminal. Muitas mulheres passam várias vezes pelo sistema de saúde antes de chegarem a uma delegacia ou a um juizado, e muitas nunca chegam”, esclarece o Atlas da Violência de 2017.

Foto: Mídia Ninja
O déficit de informação também é grande, principalmente nas áreas mais afastadas, nos interiores do estado. As campanhas de conscientização e medidas como o Portal da Mulher Potiguar, criado em 2017, encontram-se quase inúteis diante de uma população que não tem condições de ter acesso a elas. No ranking nacional dos 100 maiores municípios com taxa média de homicídios femininos, Nísia Floresta e Santo Antônio ocupam, respectivamente, as posições 33º e 54º, os únicos representantes do RN.

Educação também se torna um problema, principalmente no que se diz sobre a educação pública. O Rio Grande do Norte está abaixo da média de qualidade na educação básica, estipulada pelo MEC, segundo os dados da pesquisa do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), em 2016. O sistema, já deficiente por si só, peca ainda mais na hora de ensinar sobre a igualdade de gênero - tema que ainda é tabu em muitas escolas, tanto particulares quanto públicas. “Relega-se à criança e a ao jovem em condição de vulnerabilidade social um processo de crescimento pessoal sem a devida supervisão e orientação e uma escola de má qualidade, que não diz respeito aos interesses e valores desses indivíduos”, argumenta o Atlas.

A realidade do nosso estado é meramente um reflexo do país que ocupa o quinto lugar no ranking mundial de violência contra a mulher. Enquanto não houver lutas constantes para mudar as concepções de gênero na nossa sociedade, medidas emergenciais não irão nos ajudar a longo prazo. As mulheres de ontem, de hoje e do futuro somos nós - e não é esse o destino que queremos.  

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