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Futebol feminino: um sucesso subestimado

O histórico da garra das mulheres no esporte ilustra sua competência e o sexismo no país

(Foto: Museu do Futebol)
POR KAMILA TUENIA E MARIA CLARA PIMENTEL

Começou no último final de semana a Copa do Mundo de Futebol Feminino de 2019. Sediada na França, esta edição conta com 24 equipes, que disputam organizadas em 6 grupos. Apesar de ser um evento global, que existe desde 1991 (mais de sessenta anos depois do início de sua versão masculina), esta é a primeira vez que os jogos serão transmitidos ao vivo na TV aberta brasileira.

Na década de 1920, têm-se as primeiras referências de partidas de futebol jogadas por mulheres no país, nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e até Rio Grande do Norte. No entanto, não era levado a sério: tais disputas eram vistas com grande teor performático na época. Com efeito, não existiam seleções ou grandes times femininos: a modalidade era jogada apenas em periferias.

A sociedade via a prática com maus olhos e, por isso, no ano de 1941, o governo de Vargas a proibiu. O artigo 54 do Decreto-Lei 3199, imposto pelo Conselho Nacional de Desportos (CND), dizia que "as mulheres estavam proibidas de praticar qualquer esporte que fosse contra sua natureza". O futebol se enquadrava na legislação e o sexismo se fazia imperante nos primórdios da modalidade.

Mais tarde, no governo militar, no ano de 1965, houve uma legislação mais detalhada sobre o impedimento do futebol para as mulheres. Quatorze anos depois, a proibição oficialmente teve um fim, mas, na prática, ela permanecia – ainda que velada. A sociedade não apoiava, a televisão não transmitia e as marcas não patrocinavam. Somente em 1983 é que houve uma regulamentação da prática do futebol feminino. Assim, foi permitido que se pudesse competir, criar calendários, utilizar estádios e ensinar a modalidade nas escolas, para meninos e meninas.

Em 1988, a Fifa realizou um mundial de caráter experimental na China, chamado de Women’s Invitational Tournament (Torneio de Convite às Mulheres, em tradução livre). O evento levou a seleção brasileira baseada nos times Radar (RJ) e Juventus (SP), este último o mais forte do país na época. Com isso, em sua primeira competição oficial, o Brasil conseguiu o bronze nos pênaltis, dentre as 12 equipes que participaram. O evento serviu para alavancar a modalidade feminina no mundo, acarretando, em 1991, na primeira versão da Copa Mundial de Futebol Feminino. A equipe brasileira nunca faltou uma edição do evento, contudo, chegou às finais somente em 2007, quando perdeu para a Alemanha.

Todo esse histórico já é capaz de transmitir a resistência feminina em um esporte que sempre foi pensado por e para homens. Ser mulher e conquistar espaço no futebol é fruto da luta de muitas. 

Alguns dados falam por si só quando trazemos à tona a desigualdade entre os times masculinos e femininos, como por exemplo, o fato de os uniformes das jogadoras sempre terem sido “herdados” dos times masculinos. A Copa deste ano é a primeira em que as brasileiras vão jogar com vestimentas feitas especialmente para elas. Não só por esse motivo, este é um Mundial de estreias; como já dito, será o primeiro Mundial de Futebol Feminino a ser transmitido em rede aberta nacional. Mas quantas competições masculinas já assistimos na televisão?

O exemplo da melhor jogadora do Brasil, Marta, escancara e revela perfeitamente a prática da desigualdade salarial entre homens e mulheres, observada em diversas profissões no mundo inteiro. A alagoana, eleita seis vezes a melhor futebolista do mundo (recorde entre homens e mulheres), não tem o tratamento e nem o salário de jogadores que nunca trouxeram prêmio nenhum para casa. A desigualdade se estende também no comando dos times, onde apenas 8 das 24 seleções que disputam o Mundial este ano são treinadas por mulheres. 

A proibição da prática do futebol para o sexo feminino por 42 anos mostra que a sociedade tenta ditar desde sempre o que as mulheres podem ou não fazer. Baseiam-se em argumentos de que elas têm “talento nato” para atividades domésticas e maternidade e, por isso, não poderiam jogar ou fazer algo fora desse padrão.

Hoje em dia, assim como há quarenta anos, a proibição não existe mais no papel, mas é possível observar um preconceito encoberto. Ainda existe quem reforça o estereótipo de que futebol é só para homens, quando desde criança nos dizem que brincar de bola é “coisa de menino”. Para as mulheres que são profissionais do esporte, a invisibilidade é como uma porta batida na cara: as barreiras são silenciosas.

Cristiane Rozeira, jogadora que marcou três gols contra a Jamaica na estreia da seleção na Copa do Mundo 2019 (Foto: Museu do Futebol)
O time brasileiro estreou no último domingo (9) contra as jamaicanas, mostrando desenvoltura e entrosamento entre as meninas. A vitória em um 3x0 tremeu a torcida, mas também se tornou mais um episódio que ilustra o machismo. Cristiane, autora dos três gols da partida, foi chamada de “Cristiane Ronaldo”, referência ao jogador português. Por que não aceitar o sucesso e o bom desempenho de uma mulher sem compará-la a um homem? 

Em um universo que lhes diz todos os dias que aquele espaço não foi feito para mulheres, elas mostram que são incríveis, sem comparações, e isso deve ser celebrado e valorizado. Nós, mulheres, somos treinadas todos os dias para sermos melhores e mostrarmos que somos. É isso que as jogadoras estão fazendo na França: mostrando que jogam como mulheres e provando que lugar de mulher é onde ela quiser.

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