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“São mães que estão correndo atrás de seus objetivos por uma moradia”

As histórias de quem decidiu viver em uma ocupação no Centro Histórico de Natal

POR EDERSON LEVI, ÍTALO BRUNO, ANTUNES MOISÉS E VALCIDNEY SOARES

Numa rua estreita à margem da Praça Augusto Severo, na Ribeira (zona leste da capital), um prédio de cor bege e verde anuncia: "Albergue Municipal José Augusto da Costa”. Dividindo espaço na viela com bares e pequenos comércios, o prédio de responsabilidade da Secretaria Municipal de Trabalho e Assistência Social (SEMTAS) abrigava pessoas em situação de rua e foi desativado em dezembro de 2013 pela Prefeitura do Natal, quando se mudou para um endereço no bairro de Cidade Alta, na mesma região. Desde então, foram cinco anos de abandono até que cerca de 40 famílias decidiram tornar o espaço seu lugar de moradia.

(Foto: Ederson Levi/Caderno de Pauta)

A Ocupação Pedro Melo iniciou em 22 de dezembro de 2018, quando as 39 famílias organizadas pelo Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB) se mudaram para o imóvel desprezado pelos órgãos públicos. A edificação possui 20 quartos divididos em dois andares, que comporta as famílias que residem permanentemente no local. Outra parcela dos ocupantes ainda vive de aluguel ou em casa de parentes, frequentando a ocupação durante as reuniões.

(Foto: Ederson Levi/Caderno de Pauta)

“Quando chegamos aqui era só sujeira e mato. Acho que o pessoal já estava utilizando como ponto de droga. Muita sujeira, muitas fezes. Então organizamos o ambiente para melhorar um pouco até chegar a verdadeira moradia”, comenta a balconista Francisca Medeiros, 35, que também é uma das coordenadoras da ocupação.

Segundo ela, existe na sociedade uma visão errada sobre os integrantes de movimentos sem-teto. “Algumas pessoas veem e acham que são ‘noiados’, ou que foram expulsos de casa, mas não. Está muito alto o custo de vida. Eu sou trabalhadora, ganho um salário mínimo, mas não tenho mais condição de manter uma família com um salário mínimo”.

(Foto: Antunes Moisés/Caderno de Pauta)

Em busca de uma vida melhor, Francisca saiu de sua cidade natal, Patos-PB, em direção a Natal. “Vim justamente por falta de emprego, foram cinco anos na luta para conseguir um trabalho. Então, depois que o meu filho veio morar comigo e que eu conheci uma mulher que já fazia parte do outro assentamento, eu disse a ela: ‘estou no desespero porque não tem mais como manter o aluguel’. Foi quando eu comecei a participar do movimento e vim parar aqui na ocupação”, ressalta a paraibana.

(Foto: Ítalo Bruno/Caderno de Pauta)

"Até os corrimões eles levaram, nós colocamos essa lâmpada aqui porque era muito escuro, muito escuro mesmo", afirma Francisca enquanto subia as estreitas escadas do prédio. Com dois andares, o edifício é dividido por uma escada sem corrimões que, de acordo com ela, foram levados. Segundo a coordenadora, cada andar do prédio recebe diariamente uma mulher [apenas mulheres participam da limpeza do ambiente] que será responsável pela faxina e manutenção da área.

(Foto: Ederson Levi/Caderno de Pauta)

Para manter a organização e o bom convívio nos ambientes, o movimento mantém algumas regras ao longo de suas ocupações. Entre elas, a obrigação de manter o silêncio nos espaços, limpar tudo aquilo que foi sujo, não trazer estranhos, não andar de toalha no ambiente e outras. Tudo é discutido em reuniões, que acontecem quinzenalmente. “Temos um regimento. Como vocês podem ver, tem as plaquinhas, a lei do silêncio, ‘sujou, limpou’, porque estamos tentando manter o ambiente da gente em harmonia”, acrescenta Francisca.

(Foto: Ederson Levi/Caderno de Pauta)

Gilvânia, 20, mora há seis meses na ocupação. A filha dela, Sarah, sorridente e brincalhona, tem dois anos e cinco meses. No seu quarto, moram ela, a filha e o marido. “Eu acho muito bom, porque assim, quando eu vivia na casa da família do meu marido éramos muito humilhados, agora que viemos pra cá temos nosso cantinho, está sendo muito bom”, afirma a mãe sobre morar na Ocupação Pedro Melo, que renomeia o prédio da SEMTAS em homenagem a um morador já falecido. Seu marido hoje em dia está trabalhando em uma peixaria próxima à Ribeira. Ao ser perguntada sobre as dificuldades no espaço, responde categoricamente “Nenhuma. Hoje em dia temos nossa privacidade, minha filha pode dormir, ao contrário de nossa antiga casa onde ela não conseguia dormir devido aos gritos do meu sogro”. Ela conheceu o movimento graças à tia, que lhe falou sobre outra ação de ocupação realizada pelo MLB.

(Foto: Ítalo Bruno/Caderno de Pauta)

Um abrigo para todas as gerações. Desde dona Teresa, 62 anos, até os que nem sequer nasceram ainda. "Dona Teresa sempre vai aos movimentos, aos atos, sempre está com a gente", declara Francisca com ares de otimismo. "A tendência é só crescemos”, completa. Nos corredores do primeiro andar pode ser observado a nova geração de lutadores da Ocupação Pedro Melo. A pequena Sarah, de dois anos, brinca apenas com um recipiente vazio de spray enquanto a mãe, Gilvânia, a observa. Dona de canções famosas do carnaval carioca, a Salgueiro conclamava em 1986 para abusar da criatividade. Assim como o samba-enredo da escola dizia, a criança “tira da cabeça o que do bolso não dá”. E a vida segue feliz.

(Foto: Antunes Moisés/Caderno de Pauta)

Teresinha Gomes, 62, e sua filha Terciana, 35, moram no antigo albergue desde o início da ocupação, quando saíram de uma casa de aluguel nas Rocas. “O motivo foi a falta de emprego, eu pagava aluguel lá e estava sem condições de pagar, e a oportunidade que a menina me chamou pra vir e como eu não tinha casa própria decidi vim pra cá pra lutar por uma moradia. A partir do MLB foi que eu fui pra rua pra lutar.”

(Foto: Antunes Moisés/Caderno de Pauta)

Terciana conta que se engajou em manifestações a partir da organização sem-teto. “Eu comecei a ver as coisas de outra forma, porque quando eu vivia lá [nas Rocas], como eu sou manicure, eu vivia no meu canto, trabalhando, lutando, pagando minhas contas, mas a partir do momento que eu vim pra cá foi que eu vi que as coisas têm que ser com muita luta, muita garra”.

(Foto: Antunes Moisés/Caderno de Pauta)

Assim como sua filha Terciana, Teresinha Gomes começou a viver na ocupação por não possuir casa própria e pela falta de dinheiro para custear o aluguel mensal de uma moradia, estando na ocupação desde dezembro de 2018. Ela relata que é a primeira ocupação que participa e que a convivência entre as pessoas é tranquila.

(Foto: Ítalo Bruno/Caderno de Pauta)

Luz no fim do túnel. Para muitos daqueles que moram em ocupações, lutar e ocupar é a única possibilidade de conquistar um espaço próprio. Não há comodismo, falta de vontade para trabalhar, nada do que prega o senso comum sobre as ocupações é real. Nos imóveis adquiridos através da luta pela reforma urbana, ou até mesmo reforma agrária, o que reina é o sonho de seguir a vida com dignidade. É importante lembrar que a ocupação de imóveis que não cumprem sua função social —estabelecida pelo Plano Diretor de Natal— é um direito previsto na Constituição Federal e no Código Civil Brasileiro.

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