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Perdoa, Frida

Por Luiza de Paula

Foto: @sunyoungdays/Pinterest
Pra guerra, levo meu escudo. Ensinada a guerrear, preciso de proteção. A batalha anda dificílima e o meu apetrecho da sorte não é qualquer um. É de papel, mas tão firme quanto a imagem de Frida que ele carrega. É aparentemente despretensioso, mas tem o nome de um dos seus quadros mais significativos: “Árvore da esperança, mantém-te firme!” 

A árvore da esperança não pode morrer. Estamos em tempos sombrios, eu sei. O que vigora é a ode ao conservadorismo e pragmatismo – os únicos “ismos” que parte da galera da Direita enaltece com louvor. E em meio a essa confusão de recusa ao idealismo e manifestos de horror contra às utopias, não vejo outra saída a não ser Galeano: “A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar.” Essa é a única forma que eu consigo sobreviver razoavelmente sem a ajuda de aparelhos e de antidepressivos. Opa! Antidepressivos, não. O que seria dessa pessoa que vos fala sem o empurrãozinho de vez em quando de um Anafranil? 

O fato é: qual será a nossa saída a não ser nos apegarmos piamente ao propósito das utopias? Em última instância, o contínuo caminhar de Galeano é seguir firme na luta. Essa estrada é árida e espinhosa, afinal, não é nada fácil ouvir professores universitários, por exemplo, desmerecendo, menosprezando e deturpando em suas aulas o movimento Feminista. Nessas horas, paro, tento utilizar a técnica de colocar a língua no céu da boca e respirar. Olho, entro em sintonia com o meu escudo e rogo: perdoa, Frida, eles não sabem o que dizem. 

Manter a árvore da esperança vibrante e firme parece uma missão impossível. É preciso muita fé nos deuses da Justiça para não entrar em surto psicótico ao observar os debates sobre a legalização do aborto, redução da maioridade penal e por aí vai, sendo reduzidos à mera legalidade ou ilegalidade por àquela galera que usa paletó e gravata em um calor de 35°, fala vossa excelência, data vênia, usa próclises e mesóclise e Latim. 

E eu estou falando tudo isso pra dizer que preciso muito dessa gente tipo Galeano, Frida e companhia. Nessa semana esteve em Natal o nosso Trump à brasileira: um cara com um estilo e um discurso à lá século XIX. Aquele sujeito que sai por aí dissipando discurso de ódio travestido de “meras opiniões” contra as minorais e contra o Estado Democrático de Direito. E ele foi ovacionado por parte considerável de Potiguares. E as pessoas o seguraram no colo. E ele está em segundo lugar na corrida presidencial – ah como eu queria que tudo isso foi verdadeiramente um mito! 

Queria que fosse mito, também, os mais de 100 estupros de mulheres por dia no Brasil. Queria eu falasse menos e agisse mais para protegê-las. Queria que nós, mulheres, não andássemos por aí com o radar a todo vapor a fim de detectar o mais rápido possível assédios sexuais e morais. Queria que fosse um grande mito a presença maciça de delegados e não delegadas na Delegacia da Mulher. Queria que o machismo fosse coisa do passado. Queria que todos tivessem acesso a Manoel de Barros, Drummond, Frida, Galeano, Rubem Braga e Clarice. Queria que eu sofresse menos em silêncio. Queria que eu fosse disciplinada pra ir à terapia. Queria saudar a indústria farmacêutica pela invenção de tantos colos sinceros e necessários, por vezes. Queria que tanta coisa fosse diferente... E por querer tanto, é que eu começo aqui, neste exato momento, a querer mudar primeiramente meu microcosmo. Que tal você também? 

E agora preciso falar deles que tanto quiserem e fizeram: os caminhoneiros. Salve, salve a cada um de vocês, gigantes! Estamos vivendo praticamente em “O Ensaio Sobre a Cegueira”? Estamos. Saramago tinha razão? Sempre teve. Mas vocês foram os únicos que deixaram verdadeiramente o governo ilegítimo de Michel Temer e companhia limitada completamente ébrios. 

Não somos todos caminhoneiros. Eu, particularmente, não sinto quase nada dos perrengues que vocês passam. Comecei falando de esperança, utopias, idealismo e termino afirmando que essa paralisação lindíssima foi a concretização do grito de coragem, resistência e luta. 

É por essas e outras que a árvore da esperança se mantém firme.

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