Por Luiza de Paula
Você aprendeu na aula de Ética Kantiana que é impossível conhecer a coisa em si mesma. E que só pode conhecer a realidade diante da forma que ela se expressa. Aprendeu também que tempo e espaço são condições de existência para todas as coisas. Nós não tocamos neles, mas percebemos a existência deles.
Isso tudo soou abstrato às 8h da manhã de uma sexta-feira chuvosa, mas às 21h você já se sentia amiga de infância dos conceitos de Kant. A dor psicológica e o vazio existencial são tipo o espaço e o tempo no sentido de não serem alcançados pelo seu tato, mas nem por isso você fica alheia às suas respectivas existências.
Você se sentiu frágil como ônix e insuficiente como uma criança no seu primeiro ano de vida. Você fez perguntas existenciais irrespondíveis: por que não existe o nada? E durante a pesquisa que fez na internet, encontrou uma foto com um “E = mc ao quadrado". Você se assustou e chegou à conclusão de que era melhor não cutucar a onça com vara curta.
Você entrou em contradição e cogitou levar em consideração um possível determinismo relativamente à sua vida, algo semelhante a um Karma. Se questionou, também, o porquê da felicidade não ser uma garantia exata, sem muita dubiedade, tipo a Matemática. Mas aí em questão de segundos você se martirizou por ter pensado algo com esse grau de irreflexão.
Você indagou sobre o futuro da sua vida em praticamente todos os âmbitos, fez mentalmente a “Roda da Vida”- o atual teste queridinho das empresas e psicólogos, mas que já era pauta do velho e conhecido Ari, o Aristóteles, uns trezentos e pouco antes de cristo – você se esquivou de seguir o prosseguimento reflexivo dessa “roda”, porém teve de concluir: a bagunça interna era algo a se perder de vista.
Você se transformou, por alguns instantes, até na romântica do século XVI e perguntou se o Don Juan estava a caminho. Aí você lembrou que não acredita no amor romântico, muito menos em príncipes encantados. Você é muito moderninha no departamento definição do que seja amor. Você é feminista. Só que uma coisa não anula a outra e você fica toda incrédula ao receber flores, até mesmo as virtuais.
Você constatou pela milésima vez que o machismo, a canalhice e o mau-caratismo moram, também e sobretudo, nos homens que mandam flores, aparecem despretensiosamente com o intuito de causar uma surpresa boa e que têm o discurso lindíssimo, porém ensaiado e superficial na ponta da língua do progressismo e do feminismo. O seu olfato está tão desenvolvido quanto o do elefante africano. Você está concluindo o pós-doc no departamento identificação dos odores dissipados pelos “esquerdomachos.”
Você sentiu um enjoo pelas causas existenciais; pelo jogo do poder e dominação imposto pelo patriarcado à ordem social; pela democracia no Brasil ser subjugada; por pessoas não terem onde morar e terminarem por ter que ocupar um prédio abandonado e este ter desabado. Você suspeitou que esse desconforto todo no estômago fosse angústia reprimida. Você sentiu insônia e cogitou que fosse a descrença bailando. Você reafirmou que de nada importa a busca por conhecer a coisa em si mesma; você já é uma velha amiga das dores da alma e nunca sequer sentaram juntas para tomar um cafezinho e papear.
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