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José Dirceu: “Quem apoia a ditadura militar não pode ser uma opção democrática para o Brasil”

Ex-ministro de Lula roda o país divulgando sua obra autobiográfica 

Por Kamila Tuenia e Yuri Gomes

José Dirceu fala sobre seu livro em Natal. Foto: José Aldenir

O ex-chefe da Casa Civil no primeiro mandato Lula, José Dirceu, 72, esteve em Natal na última segunda-feira (24), para lançar seu livro autobiográfico “Zé Dirceu - Memórias volume 1” (554 p.p./Geração Editorial). O lançamento ocorreu no Bar Cultural Acabou Chorare, localizado em Ponta Negra, e contou com uma longa sessão de autógrafos, além de um breve discurso do também ex-presidente do PT. 

Pouco depois que chegou, próximo das 18h, Dirceu subiu ao palco e foi saudado pelos presentes. Agradeceu a todos, de braço levantado e punho fechado, marca do ex-guerrilheiro, que fez o gesto quando foi preso em 2013. “Lula livre!” falaram as primeiras palavras de ordem do público. Dirceu logo repreendeu, carinhosamente, levantando o indicador do mesmo punho outrora cerrado: “Haddad presidente!”. A plateia atendeu o pedido. 

“Escrevi essas memórias por uma razão muito especial, que vocês já sabem: minha filha”, contou Dirceu. Em seguida lembrou das queixas da filha caçula, Maria Antônia, 8, que reclamou quando ele foi preso, pela segunda vez, em 2015, pela Lava Jato, e não se despediu dela. 

Em outro momento de sua fala, Dirceu questionou, retoricamente, o argumento de que o povo não participa da política. “Por que o Lula tem essa votação no Nordeste?”, perguntou. Também usou-se do fato de cerca de um terço do eleitorado declarar votos em Bolsonaro, para embasar sua retórica de que o povo tem partido - independente de qual for. 

Sobre a popularidade do ex-presidente no Nordeste, ele explicou: “Só tem uma razão: o fio da história. A memória, a consciência coletiva de um país que tem que ser soberano”, e disse ainda que “se o povo não tivesse consciência política, Lula não teria 45% das intenções de voto no 1° turno”. Para Dirceu, os governos do PT foram os mais democráticos: “A quem mais interessa a democracia é o povo trabalhador”, disse. 

Em sua leitura, o governo Lula foi o que mais buscou o diálogo com outras expressões políticas nacionais e internacionais, e também foi nesse período em que todos os setores da sociedade brasileira “saíram ganhando”. O ex-ministro falou da importância de uma “revolução educacional” no Brasil, afirmando que não possível que o país avance sem isso e sem as reformas necessárias a serem implementadas, citando principalmente a reforma tributária, reforma política e a democratização dos meios de comunicação. 

Durante a breve coletiva, perguntado sobre a presença da Ação Penal 470, o Mensalão, nas páginas do seu livro, ele respondeu: “Eu faço questão de abordar, primeiro porque não havia previsão legal para processar deputado licenciado. Eu fui condenado, mas sem nenhuma prova. Cumpri a pena e fui indulado, em 2016, pelo Ministro Barroso. Vai haver uma revisão criminal disso tudo aí. Não deixo de tratar nada”. Afirmou que, além da sua vida, pretendeu falar sobre a história do Brasil, sobretudo, a época da ditadura. 

O escândalo, que estourou no primeiro governo Lula e resultou numa grave crise política, foi o motivo do afastamento de Dirceu da Casa Civil, da cassação de seu mandato de deputado federal, sua condenação, por corrupção passiva, e prisão, em 2013. 

“Porque ele prega abertamente o autoritarismo. Quem apoia a ditadura militar não pode ser uma opção democrática para o Brasil”, explicou Dirceu, ao ser perguntado sobre o presidenciável Jair Bolsonaro e disse ainda que o candidato é um “falso moralista e um atraso para a democracia”. Para ele, o PT e o candidato da extrema-direita não são dois pólos, em defesa disso, alegou que os discursos de ódio começaram com hostilizações e ataques direcionados ao PT e seus membros, bem como as campanhas violentas contra Lula e Dilma. “A nossa campanha é pacífica”, disse. 

Dirceu criticou a atual política externa brasileira de se opor e não ser um mediador dos conflitos na América Latina, em especial na Venezuela. “Nós devíamos estar ajudando a Venezuela a sair dessa crise, a evitar que o país tenha uma guerra civil”, disse. Sobre isso, ele opinou que o Brasil começou a “dar corda” para o possível plano de intervenção militar norte americana no país governado por Nicolás Maduro. “Para a nossa vergonha Peru, México e Colômbia se posicionaram contra na OEA; disseram não! O Brasil não pode ser office boy dos EUA à porta da Venezuela”, protestou. 

Dirceu afirma que vivemos um momento parecido com a época da ditadura graças aos discursos falaciosos de combate a corrupção: “A palavra de ordem da ditadura era contra a corrupção e a subversão. Uma luta contra o povo e hoje em dia é contra nós, contra Lula, contra o PT e tudo que fizemos pelo Brasil. Contra o Brasil, pois eles acabaram de entregar o pré-sal”. 

Meia hora depois, afirmou, por fim, que o livro também foi escrito para provocar a juventude a “lutar pelo Brasil que o povo construiu. A nossa maior vergonha é o povo brasileiro ter construído uma riqueza tão fantástica e não ser beneficiado dela”. Finalizou o discurso como iniciou, chamando a atenção para as eleições: “Vamos à leitura das minhas memórias, mas, principalmente, vamos às urnas”.

Após suas palavras, José Dirceu sentou para dar autógrafos àqueles que haviam comprado seu livro. A fila ocupava praticamente todo o pequeno bar, e a sessão adentrou pela noite. Música cubana ocupava o palco onde ele havia discursado e animava as pessoas que esperavam chegar perto de Dirceu. 

Dirceu em sessão de autógrafos. Foto: José Aldenir

Vez ou outra, sentado à mesa de autógrafos, Dirceu levantava para tirar fotos com admiradores imitando o gesto do punho cerrado. Estava servido de pastéis e bebia numa caneca com o símbolo do PT. Em um momento, um senhor no palco, ofuscado pela multidão, fez uma pequena fala saudando o “comandante”, como Dirceu é chamado carinhosamente. Ele levantou e agradeceu, de longe. Depois, perguntou a uma assessora “quem era?”.

“Vale a pena lutar, porque a vida precisa ser vivida com paixão. E é preciso resistir, lutar e combater. E estar do lado certo: o da justiça social, das liberdades individuais, da democracia e, no meu caso, o do socialismo”, respondeu Dirceu, quando perguntado pelo Caderno de Pauta qual seria o legado de seu livro para os jovens militantes. 

O ex-ministro de Lula roda o país divulgando sua obra autobiográfica acompanhado da esposa, de sua filha mais nova e de assessores, em um ônibus pago pela editora. Depois de Natal, José Dirceu participou lançamentos do livro em Fortaleza (26), Teresina (27) e na segunda-feira (01) estará em São Luís. “Zé Dirceu - Memórias volume 1” aparece como o oitavo livro de não ficção mais vendido no Brasil, na lista semanal da Revista Veja.

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