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A luta em dobro da mulher no jornalismo esportivo: a necessidade de se impor para ganhar reconhecimento


Mesmo com o aumento da presença na área, a mulher ainda não é vista como um personagem comum quando se trata do jornalismo esportivo, sendo vítima de barreiras quando tenta aparecer


POR LARISSA DUARTE

Ana Karla Martins em uma palestra para turmas da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (Foto: Fernando Amaral)


“Eu não fico próxima a essas pessoas, apenas passo por eles. Teve uma vez que eu fiquei muito nervosa. O sujeito gritou meu nome e disse que ia me encontrar na rua e me estuprar”, relatou Ana Thais Matos, repórter da Rádio Globo e comentarista do SporTV.

Há alguns anos, era extremamente fora do comum encontrar uma figura feminina, seja na televisão ou no rádio, como repórter esportiva. Hoje se tornou mais corriqueiro assistir uma mulher entrevistando jogadores na beira do campo após uma partida de futebol, mas o preconceito contra elas continua existindo.

Sem segredo, mulheres sempre foram tratadas como objeto e como se não tivessem competência. Qual é a mulher que nunca disse que gostava futebol e foi questionada incansavelmente acerca de elementos básicos como “o que é impedimento”, perguntas essas que dificilmente são direcionadas a homens? É como ganhar na Mega-Sena: quase impossível.

Ana Karla Martins, jornalista de 35 anos, natural de Natal, é uma das repórteres esportivas que mais possui prestígio no cenário futebolístico do Rio Grande do Norte. Já atuou no canal Esporte Interativo, onde ficou conhecida, e chegou a cobrir a seleção brasileira quando esta jogou na Arena das Dunas.


Ana Karla Martins e Andréia Freitas (da TV Ponta Negra, afiliada do SBT no Rio Grande do Norte) preparadas para trabalhar no Frasqueirão, estádio do ABC (Foto: Augusto César)



“Quando eu era jovem, já tinha essa afeição por esporte e eu sempre gostei muito, tanto de futebol, quanto de Fórmula 1. [...] Meu sonho era fazer jornalismo porque eu queria cobrir aquelas coisas, eu queria estar no meio daquelas coisas. Foi natural”, contou a jornalista.

Com a experiência de Ana Karla Martins, muitas mulheres acabaram sendo inspiradas a seguir pelo jornalismo esportivo. No Rio Grande do Norte nunca foi muito comum encontrar a figura feminina na beira do campo. Sem dúvidas, ver uma mulher cobrindo esporte, em um grande canal por assinatura nacional, mostrou que é possível seguir os sonhos pela área.

Iniciando sua carreira pela Rádio Clube, por meio de uma campanha em busca de uma mulher para entrar na equipe, Ana Karla agradece a quem lhe ajudou: “Jorge Aldir foi quem realmente me abriu essas portas, a quem eu sou muito grata pela oportunidade que me deu. [...] Ele me contratou sem eu ter experiência alguma”.

Quanto ao preconceito comum na área esportiva e que ela também enfrentava na empresa, a jornalista fala sobre o receio das pessoas com que ela trabalhava: “Eu sentia da equipe um certo ‘com ela a gente faz assim’. [...] Eu sempre tive que me impor mais. O que para os homens acabava sendo natural, eu tinha um trabalho dobrado. O público tinha um certo preconceito. Hoje eu acho que já diminuiu muito pela quantidade [de mulheres] que se tem”.

“Foi uma coisa que eu tive que me impor para chegar ao ponto de ouvir que eu estava ali porque tinha algo a oferecer. Esse começo foi meio difícil”, indica Ana Karla Martins sobre as dificuldades do seu início de carreira.

Bolsa Redonda foi um dos primeiros programas a serem veiculados em rede nacional que tinha foco na figura feminina para falar sobre o mundo da bola. Apesar disso, a atração comandada em 2013-2014 por Fernanda Gentil não ganhou o alcance suficiente para desmistificar a mulher no meio esportivo. Com pautas superficiais, onde a beleza dos jogadores era posta sob análise constantemente, a verdadeira conversa de futebol e debates pouco existia.

Comprovando ainda mais a ideia da mulher como objeto, no programa Extraordinários, da SporTV, em meados de 2015, a atriz Maitê Proença surgia como um gancho humorístico. A superficialidade era esbanjada a todo custo, como em um determinado episódio, no qual ela realizou um strip-tease em homenagem ao retorno do Botafogo à primeira divisão; também já chegou a fazer comparações entre fotos de jogadores pelados, como Pelé e Maradona. Foram raras as vezes na qual fez comentários com seriedade. Infelizmente situações como essa só ajudam a manchar a presença das mulheres no ramo do jornalismo esportivo.

Ana Karla Martins realizando entrevistas pelo Esporte Interativo, na Arena das Dunas, na partida do América x Remo, pela série C (Foto: Divulgação)





Sobre relatos de preconceito direto em campo, Ana Karla Martins confessa que nunca houve nenhuma ofensa relacionada a ser mulher que lhe recordasse, admitindo que usava os dois lados do fone para se manter informada em campo e, assim, ficava alheia aos possíveis comentários direcionados a ela.

“Uma vez eu estava entrevistando um jogador e ele disse que eu era muito bonita, mas, do jeito que eu estava, terminei a pergunta e fui embora. Faz muito tempo, foi em 2008 quando eu ainda trabalhava na rádio”, falou a jornalista sobre a situação.

Houve ainda, segundo ela, uma época no ano de 2018, em que passou um mês de jogos do ABC sendo ofendida com palavras de baixo calão, como “rapariga”, pois torcia para o time rival e teria, supostamente, deferido críticas a respeito do alvinegro.

“O Esporte Interativo me proporcionou experiências únicas na minha vida, foram 5 anos dedicados. Eu abdiquei de muita coisa. Quando eu entrei no canal, meu filho tinha 6 meses de vida, para você ter uma ideia. Foi nessa época que eu cobri a seleção brasileira, era 24 horas de vida durante uma semana, e foi uma experiência muito boa. Fiquei ao lado de grandes nomes do jornalismo, como Mauro Naves”, contou Ana Karla, feliz sobre a sua realização.

Mesmo com a televisão carente de representatividade feminina no esporte, Ana Karla Martins ainda indica que houve uma figura de exemplo quando decidiu ser jornalista veiculada a esportes, e o nome era Glenda Kozlowski. Para ela, suas matérias inspiravam, e era uma das poucas mulheres que tinha holofotes na época, realmente passando informações válidas a quem lhe assistia.

Isso apenas mostra o quão necessário é ligar a televisão e poder encontrar um rosto feminino em um programa de esportes. Assim como Ana se inspirou em Glenda, muitas jornalistas podem ter usado da potiguar um exemplo e referência para seguir o que sempre quiseram.

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