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Coisas que eu (não) sei

POR MARIA CLARA PIMENTEL

É simples, eu gosto de ficar perto de tudo aquilo que acho certo. Não quero escutar papo furado de quem acha que sabe de alguma coisa. Eu já experimentei bastante da vida e posso lhes contar de tudo que aprendi. Não é pouco para a minha idade, eu asseguro. Além de ser conhecedor das ciências, das religiões, da filosofia e literatura mundiais, aprendi a cuidar de animais de estimação, a cuidar da minha própria casa e a priorizar minha saúde sempre. Posso dizer que todas as coisas que não sabia e sempre quis saber, agora eu sei.

Além disso, eu tenho sempre uma opinião muito forte com relação às coisas que acredito, e não há nesse mundo quem consiga alterar. Considero uma característica polêmica minha, já que, enquanto muitos me invejam por eu estar tão inteirado de tudo que acontece ao meu redor, outros parecem lastimar essa minha habilidade. Isso porque já perdi vários amores desse jeito e supostamente deveria achar essa uma coisa ruim. Para a surpresa geral, eu acho é bom. Só assim me livro logo dessas pessoas ilusórias, que em um minuto dizem sentir coisas por mim, mas, logo em seguida, pisam na bola, e o sentimento se desfaz em questão de momentos.

É claro que também não acho isso a melhor coisa do mundo, é complicado. Sempre que conheço alguém novo, mais cedo ou mais tarde, ele se vai. Minha proeza de adivinhar quando estão fazendo coisas pelas minhas costas é um fardo e também uma vantagem. Adivinho o que acontece antes mesmo de alguém me contar, assim não caio nessas armadilhas de amor e evito de sofrer como um desnorteado. A questão é que as pessoas estão cada vez mais desleixadas com relação a relacionamentos, tudo é tratado com indiferença. Por isso, fico com tanta raiva que nem quero escutar o que eles têm a me dizer, já vou retirando suas coisas da bagunça do meu quarto, pois é assim que a minha confusão deveria ser: fechada para visitação. Os turistas não têm o mínimo de respeito.

Meus amigos também têm muitas sugestões sobre mim: muitas das quais, eu acho exagero. Pensam que me conhecem, mas falam tantas besteiras… Dizem que compro aparelhos que não sei usar, que não sei tanto sobre mim quanto penso que sei e que, supostamente, meu medo de relacionamentos mora perto das ideias loucas. Por favor, né? Eu me conheço muito bem, pois convivo comigo mesmo minha vida inteira, e sei que não tenho medo de me relacionar com as pessoas. A minha lei é que são eles que apertam o stop na gente, eles pedem por isso, e aí não tenho o que fazer.

Isso me frustra, de certo modo, ao ponto de achar que estou me afundando em uma areia movediça. Quase trinta anos na cara, formado em duas graduações, algumas especializações na conta, convites em palestras religiosas, pai de um gato e um cachorro, mas ninguém com quem dividir tudo isso. Parece que eu consigo fazer funcionar qualquer coisa, menos uma vida a dois. E eu não entendo! Isso me deixa nervoso e, quanto mais me mexo, mais sucumbo na areia, em um cenário imaginário (mas bem real) em que não preciso nem trocar de roupa. Entro e saio com uma grande facilidade, exatamente quando me convém.

Mês passado estava saindo com esse cara incrível. Pensei que estava tudo indo às mil maravilhas. Conheci-o na casa de um amigo e a atração foi instantânea, parece que meus olhos grudaram nos dele e eu já não conseguia desviar minha atenção. Fomos assistir a um filme e eu tinha que pausá-lo de tempo em tempo para entender bem o que estava acontecendo. E, como já é mania, em cada intervalo desse, fico imaginando como a estória pode se desenrolar a partir daí e como a trama se relaciona com o momento que eu, no papel de telespectador, vivo na minha vida. É o modo como gosto de assistir longas, e eu sei que muita gente não entende, mas eu também gosto de inserir a pessoa com quem estou assistindo nas hipóteses que crio na cabeça.

Ele não parecia muito interessado. Ficava mexendo no celular, e então percebi que estava claramente tirando uma com a minha cara! Por isso, depois de surgirem muitas cenas na minha cabeça, gritei com ele e saí de lá. Com razão, né? Ele não estava nem ligando se eu estava ali ou não, então fui embora. A verdade é que, quando cheguei em casa, não consegui lembrar de um só dos cenários que tinha imaginado. E quando minha irmã me perguntou depois por que não deu certo, simplesmente respondi: “Ah, porque ele não gostava de mim”.

Será que é o meu rádio-relógio que mostra o tempo errado ou estou ficando doido mesmo? Não sei mais o que fazer. Só faço cortar dobrado e acertar os meus pecados, mas ninguém parece ligar depois que eu já paguei. Será que não faz diferença? E meu momento de glória, não vai chegar nunca? É difícil… Eu só quero ficar perto das pessoas que acho que me fazem bem, que me fazem sentir certo. Pelo menos até o dia em que eu mudar de opinião. Eu sou um cientista, mas nem meu conhecimento consegue mais me distrair. O que estou fazendo de errado? Sempre me pego pensando nisso: construí tudo que sou e tudo que sei, conheço e desconheço coisas que antes eu não sabia nem da existência. Mas agora começo a perceber… Talvez, afinal, sejam muitas as coisas que eu não tenho o mínimo conhecimento. Não sei.

*Conto baseado em reinterpretação da música “Coisas que eu sei”, de Jorge Vercillo.

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