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Dadá: a única mulher a usar fuzil no bando de Lampião

Entenda por que, ainda que ofuscada pela romantização da história de Lampião e Maria Bonita, a Suçuarana do Cangaço foi uma peça importante nas lutas da bandidagem rural

POR FRANCISCA PIRES

Em 1928, aos treze anos de idade, Sérgia Ribeiro da Silva – que mais tarde ficaria conhecida como Dadá – foi raptada pelo cangaceiro do bando de Lampião e seu primo de sangue Corisco (Cristino Gomes da Silva Cleto ou “Diabo Loiro”). A pernambucana foi uma das muitas meninas retiradas violentamente da casa dos seus pais para atender ao desejo do grupo de cangaceiros de ter uma esposa fixa.

Dadá foi levada à força pelo homem que na primeira oportunidade a estuprou violentamente. O ato foi tão cruel que resultou numa grave hemorragia, responsável por quase vitimar a menina ainda tão jovem. No entanto, após intensos cuidados que recebeu na casa dos familiares do próprio cangaceiro, visto que uma vez levada ao cangaço a mulher jamais poderia voltar para casa, Dadá se recuperou. Três anos depois, em meados de 1930, com a entrada oficial de Maria de Déa – que viria a se chamar após sua morte Maria Bonita –,  a cangaceira e mais algumas meninas passaram a integrar o bando de Lampião.


Quando foi raptada, Dadá era tão nova que ainda brincava de bonecas, no entanto foi proibida por Corisco de levá-las consigo para a vida no cangaço (Foto: Benjamin Abrahão Botto)
Sendo obrigada a viver como esposa de um dos membros mais violentos do bando, a então adolescente precisou se adaptar à rotina nômade do grupo, à execução das tarefas domésticas, aos conflitos violentos e ao comportamento machista do companheiro. Segundo relata a jornalista Adriana Negreiros em seu livro “Maria Bonita: sexo, violência e mulheres no cangaço”,  Dadá e Maria do Capitão – outro apelido atribuído à famosa Maria Bonita – não se davam muito bem. A personalidade escandalosa e os privilégios que a rainha do cangaço usufruía a irritavam profundamente: “Ô mulher chata”, disse Dadá se referindo à esposa do capitão em um dos trechos do livro. Quando o bando de Lampião se dividiu em uma espécie de subgrupos, a cangaceira, ainda que muito subjugada como todas as mulheres do bando, passou a ter voz um pouco mais ativa nas decisões do grupo em que Corisco era o chefe.


No bando de Corisco, Dadá era tida como rainha, porém, ao contrário de Maria Bonita, ela não teria muito orgulho do título (Foto: Benjamin Abrahão Botto)

Para que se protegesse, Dadá recebeu do Diabo Loiro uma pistola que servia também de adorno. Além de atirar, o cangaceiro também a ensinou a ler, escrever e contar. Tais conhecimentos bélicos foram muito importantes para contornar o que viria a acontecer em outubro de 1939, quando em um ataque feito por policiais na Fazenda Lagoa da Serra, em Sergipe, Corisco foi ferido em ambas as mãos e perdeu a capacidade de atirar. Dadá, então, torna-se a primeira e única mulher a desempenhar função ativa – e não meramente defensiva – nas lutas do cangaço.

Assim como boa parte dos integrantes do bando, Dadá também ganhou uma espécie de nome de guerra que faria jus à ousadia da cangaceira: "Suçuarana do Cangaço" foi como ficou conhecida. E mesmo que tenha sido descrita como brava e marrenta, existem relatos de muitas pessoas que foram salvas das mãos do impiedoso Corisco graças à intervenção de sua companheira. Dadá e Corisco tiveram ao todo sete filhos, dos quais apenas três sobreviveram. As crianças nasciam em condições insalubres, enfrentavam frio, fome e sede logo nos primeiros instantes de vida. Por este motivo poucos sobreviveram e os que tiveram essa sorte foram encaminhados para casas de parentes com bilhetes escritos à mão informando quem eram seus pais.

Depois de alguns anos vivendo nessa rotina de fugas e esconderijos, a morte do rei e rainha do cangaço, em 1938, fez com que o bando todo enfraquecesse. A fim de vingá-los, Corisco promoveu uma reação que resultou em ataques sangrentos na região de Alagoas. O cangaceiro fazia questão de decepar a cabeça de suas vítimas da mesma forma que foi feito com seu capitão, a esposa dele e mais nove companheiros de bando. Mesmo assim, o fim se aproximava e em 25 de maio de 1940, seu bando foi cercado em Brotas de Macaúbas e Corisco foi atingido e morto. Dadá foi baleada na perna direita e, impossibilitada de fugir, foi presa.

Na prisão, Dadá precisou amputar sua perna, uma vez que sem as condições ideais de higiene o ferimento se agravou causando uma gangrena. Devido às situações de maus tratos, a mulher consegue sua liberdade na justiça dois anos depois. Livre do cangaço e da cadeia, Sérgia passou a viver em Salvador e passou o restante de sua vida lutando para que a legislação que assegura o respeito aos mortos também incluísse aqueles que foram pertencentes ao cangaço.

Dadá conseguiu desenvolver uma amizade forte com o capitão Lampião. Este gostava da sua personalidade e de seus bordados (Foto: Benjamin Abrahão Botto)

Apesar de não ter ficado conhecida pelo grande público ou ter seu nome estampado em lojas, eventos e obras de arte, assim como foi com Lampião e Maria Bonita, Dadá é inegavelmente uma figura de muita importância para a  história do cangaço. Seja pela denúncia que sua história representa quanto à violência de gênero vivida pelas cangaceiras – independente de ter optado pela vida no cangaço ou arrastada contra sua vontade –, seja pela sua participação ativa nas lutas armadas daquilo que constituía a bandidagem rural.

Apesar do histórico cruel de abusos, Dadá descreve uma relação romantizada com Corisco: "Nos amamos muito", chegou a relatar em uma de suas entrevistas (Foto: Blog Recanto das Letras/Reprodução)

Sua representatividade foi, em 1980, homenageada pela Câmara Municipal de Salvador e suas historicamente tão importantes memórias exploradas em inúmeras entrevistas, nas quais relatava tudo que viveu a partir do momento em que se tornou Dadá. A Suçuarana do Cangaço morreu em Salvador (1994) sendo a última prova viva do cotidiano de lutas do bando.

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