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Cidade por elas e para elas

Um debate sobre a construção de uma cidade que atenda à necessidade de todas as pessoas de forma igualitária

POR FRANCISCA PIRES

Flaviana Brandão levanta questionamentos sobre quem se beneficia com a arquitetura das grandes cidades (Foto: Equipe Grupert)
A estudante de Arquitetura e Urbanismo, Flaviana Brandão, ministrou na tarde deste sábado (17) um debate sobre os desafios enfrentados pelas mulheres para se deslocar dentro das cidades todos os dias. Segundo ela, a sociedade deve refletir a partir de três questionamentos principais: quem são as pessoas que sempre projetaram as cidades? Mulheres e homens sentem-se seguros na mesma proporção? O que fazer para mudar essa realidade?

A palestra, promovida na Campus Party Natal pela comunidade As Boyzinhas Arretadas, trouxe à tona questões diárias que dificultam o cotidiano de toda mulher: caminhos mal iluminados, muros altos demais e pontos de ônibus em locais isolados. Além, de claro, falta de policiamento e muitas vezes um serviço ineficiente, abusivo e machista por parte das autoridades policiais, assim outras questões urbanas que dificultam o socorro ou uma possível tentativa de fuga.

“É preciso pensar a quem a arquitetura da cidade beneficia. Homens e mulheres sentem-se seguros? A resposta é não. Enquanto nós precisamos pensar em qual roupa vestir, que caminho pegar, quem são as pessoas que estão ao nosso redor, os homens só precisam ir,” Flaviana explica.

Ela também conta que a ideia de escrever sobre o tema surgiu quando ela foi assaltada em uma passarela na grande Natal. Após a ocasião, a estudante desenvolveu diversas crises de ansiedade e passou a sentir-se muito frágil. Hoje, o simples fato de precisar ir à faculdade ou resolver questões comuns do dia-a-dia gera nela, bem como em muitas mulheres, uma aflição acompanhada da sensação de impotência.

Além de evidenciar que maior parte dos responsáveis por projetar as cidades são homens e que, portanto, eles não conseguem entender tampouco atender as necessidades das mulheres, outra questão gritante foi levantada: o assédio. Foi mostrado que, segundo dados da YouGov, 80% das mulheres já sofreram assédio, seja em locais ou transportes públicos. Ao questionar se as participantes da mesa já sofreram assédio ou conhecem alguém que sofreu, todas elas levantaram a mão.

Flaviana compartilha que até mesmo dentro do ambiente acadêmico sentiu na pele a resistência das pessoas e o machismo estrutural que existe acerca do tema. “É tanto que quando resolvi escrever sobre o tema, meus orientadores sugeriram que eu fizesse uma pesquisa quantitativa sobre como os jovens da faculdade que eu estudo se sentiam com relação à segurança. Para que assim, eu consiga provar que de fato as mulheres se sentem mais inseguras, mesmo sendo óbvio”.

Um projeto realizado em Recife, no qual um grupo de mulheres ajudam a projetar o plano diretor da cidade, chamado Cidade Pensada Por Elas, foi apresentado como um exemplo do que é possível fazer para mudar o cenário. Para finalizar o debate, Flaviana abriu o espaço de fala para que as mulheres presentes pudessem contar experiências relacionadas à insegurança nas cidades ou sugerir possíveis soluções relacionadas à tecnologia ou a Arquitetura e Urbanismo em si.

Público que assistiu o debate, composto majoritariamente por mulheres (Foto: Equipe Grupert)
Assaltos e situações de assédio foram os relatos mais comuns e algumas soluções foram apontadas. Mais espaços para debater quais são as necessidades das mulheres nos espaços urbanos, aplicativos que ajudem a rastrear ou que contribuam para construção de ambientes mais seguros e até mesmo a implantação de coletivos feministas dentro dos órgãos públicos das cidades.

Em entrevista, Flaviana conta que a ideia de expor na Campus Party surgiu porque muitas vezes as pessoas que trabalham com tecnologia não se atentam a questões relacionadas à cidade. E sendo o ambiente da informática, bem como da arquitetura, ainda muito machista, é necessário que existam espaços como esse para discutir os problemas mais evidentes dentro da sociedade.

“Esperava ver uma quantidade maior de homens interessados na palestra, mas mesmo assim o número de pessoas presentes superou minhas expectativas,” finaliza.

Com a discussão sobre representatividade ganhando cada vez mais força, torna-se evidente a importância de espaços para discutir as principais necessidades vivenciadas pelas mulheres diariamente, o direito de ir e vir precisa ser assegurado para todos, independente de gênero. É preciso romper, de uma vez por toda, a ideia patriarcal que acabou influenciando a forma com que as cidades foram projetadas, de que a mulher deve pertencer ao lar e o homem aos espaços públicos. Uma cidade que consegue ser segura para uma mulher, no fim, acaba sendo segura para todos.

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