Por Jéssica Cavalcanti
No semestre passado, o Caderno de Pauta
publicou uma matéria referente aos transtornos psicológicos no cenário
acadêmico. O Projeto de Extensão BeHappy foi apresentado a muitos estudantes
que não o conheciam com mais afinco, e tivemos um feedback extremamente
positivo sobre o tema em pauta: saúde mental e qualidade de vida na
universidade (e fora dela também). Foi em torno disso que girou a mesa redonda dessa
última segunda-feira (15), no Anfiteatro das Aves, no Centro de Biociências da
UFRN.
Promovido pelo BeHappy, o episódio
consiste em um evento semestral, no qual alunos podem ouvir, debater, tirar
dúvidas e compartilhar experiências próprias não só com outros estudantes, mas
com profissionais convidados. Em sua quarta edição, o projeto trouxe para
compor a mesa: a Profa. Dra. Simone Tomaz, na área da psicologia; o professor
farmacêutico Idivaldo Micali; e por fim, o nutricionista Helry Costa.
No primeiro momento, cada profissional
teve a oportunidade de trazer um pouco do seu conhecimento para contextualizar
a discussão, pontuando sua relevância em dias tão corridos e atropelados como
os que vivemos. Contudo, ao abrirem a oportunidade para os estudantes exporem
suas dúvidas, posicionamentos e problemas, foi quando o debate ganhou mais estrutura
e rumo.
Antes de qualquer coisa, é preciso
compreendermos que esses problemas não se resumem a transtornos mentais
patológicos, mas que podem se manifestar em pequenos detalhes do cotidiano. A
exaustão, a ansiedade e a pressão são fatores que, atrelados à falta de tempo
para realizar atividades indispensáveis ao bom funcionamento de nosso corpo e
mente, configuram-se em uma sobrecarga emocional para o indivíduo, podendo se
apresentar em diferentes formas e graus de intensidade, a depender das
circunstâncias e especialmente dele mesmo. “A verdade é que cada pessoa precisa
encontrar o seu ritmo e o seu limite, e respeitá-los”, disse a professora
Simone.
A mesa redonda durou quase 3 horas e,
nesse curto espaço de tempo, muitos assuntos foram abordados e problematizados
pelos alunos e profissionais presentes: a rotina desgastante do ambiente
acadêmico; a relação médico-paciente e professor-aluno; o período do famigerado
TCC; hábitos de alimentação e atividades físicas; padrões de beleza impostos
socialmente; até a falta de segurança pública entrou na discussão (deixo aqui
meus sentimentos de solidariedade à estudante que foi vítima de assalto seis
vezes em Natal – algumas, inclusive, enquanto praticava suas caminhadas
diárias).
Diante de tantos tópicos, uma
verificação em especial me surpreendeu na fala de alguns discentes: o uso de
medicamentos prescritos na área psiquiátrica mostrando-se tão comum em pessoas
tão jovens. Apesar dos efeitos colaterais, somos uma geração imediatista e
procuramos sempre por resultados a curto prazo. Para insônia, para
irritabilidade, para auto exclusão social, para estresse, para ansiedade:
aparentemente a indústria farmacêutica tem se mantido muito bem, obrigada.
Podemos entender esse declínio da saúde
mental e da qualidade de vida das pessoas nos dias de hoje compreendendo uma
série de aspectos que, em conjunto, formam a base que dá molde à realidade de
uma grande parcela da sociedade. Um dos pilares que sustenta essa situação é a negligência
generalizada da qual tem sofrido esse excesso de bagagem emocional. Estamos
sempre tão ocupados com as obrigações de hoje e preocupados com as de amanhã,
que não damos a devida atenção aos pedidos de socorro silenciosos que nossos
organismos fazem para que desaceleremos o ritmo. Muitas vezes, só percebemos –
ou escolhemos perceber – que o problema existe quando ele atinge um nível
diferente. O momento em que a condição psicológica do indivíduo se reflete em
queixas físicas, seja por uma dor muito incômoda, manchas na pele, ou qualquer
similaridade, é chamado na medicina de Somatização. E, infelizmente, também é
outro fato muito mais comum do que imaginamos.
Entretanto, de forma alguma podemos
utilizar desse argumento para culpabilizar os indivíduos usuários das drogas
farmacêuticas, tampouco qualquer um que possua algum tipo de deficiência em sua
saúde mental. Nenhum de nós é cem por cento saudável. Estamos imersos em um
sistema que nos exige um “cronograma para vencer na vida”, e entre tantas
necessidades e responsabilidades, é triste constatar que o bem-estar físico e
emocional já não é uma prioridade para a prevalência da população.
E isso é extremamente preocupante.
Estamos hoje, na universidade,
vivenciando apenas um período preparatório. O capitalismo que nos espera é
muito mais feroz e voraz, aguardando ansiosamente o momento em que poderá
devorar nossas forças de trabalho até seus esgotamentos. E enquanto isso, nós,
seres sujeitos a uma estrutura social cruel, somos impulsionados cada vez mais
pela necessidade de alcançar metas intermináveis. E assim, usamos todos os
artifícios possíveis para ter mais fôlego e disposição, a fim de atender a uma
lógica de mercado e de vida doentias.
Diante dessa realidade, o que fazer?
Como reaprender a viver – de forma saudável dessa vez – a essa altura do
campeonato? Como enfrentar todos esses fatores externos tão torrenciais?
Sobre isso, falou o professor Idivaldo:
“Nós sempre vamos chegar despreparados em todas as fases de nossas vidas,
inclusive para a morte. O ser humano tem essa marca. E o momento que a gente vive
é bem peculiar. O estresse, nesse formato que vivemos, é muito novo para a
humanidade. Não deu tempo pra ela se adaptar ainda. Não deu tempo dela produzir
ainda as substâncias que precisamos pra nos proteger disso (...) A chance de
terminarmos essa atividade aqui e voltar tudo como era antes é quase de 100%.
Porque o mundo lá fora conquista a gente. Ele nos impõe muitas coisas, e nos
obriga a lutar. Mas, mesmo que não consigamos fazer muito, temos que ser um
pouco mais atrevidos. Usar mais vezes a palavra ‘não’, peitar as coisas um
pouco mais, ser mais resistentes, fazer menos disciplinas nos períodos, ter um
tempinho pra gente dar uma respirada. A gente tem que dá um jeito de passar uma
rasteira no estresse”.
Precisamos reeducar nossas mentes a
pensar em nós mesmos para além das necessidades financeiras. Existem carências
em nossas vidas que são ainda mais urgentes. É por isso que os profissionais
chamaram tanta atenção no evento para o olhar individual que cada um deve
exercer sobre si mesmo. Refletir sobre o mundo em que vive e como se reconhecer
nele. Buscar um ponto de equilíbrio entre necessidade e desejo, obrigação e
prazer. A verdade é que nos desdobramos tantas vezes, e nos adaptamos a tantas mudanças
no decorrer de nossas vidas, que podemos encontrar uma brecha: para uma boa,
dessa vez.
Encerro esse texto com uma declaração
muito feliz de Glêibert Mesquita, aluno de Medicina e um dos coordenadores do
projeto BeHappy: É preciso se reinventar. “Eu vou mudar, até o ponto de poder
dizer: Agora sim, desse jeito eu conseguiria viver o resto da minha vida”.
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