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A Realidade e os Desafios da Maternidade na Graduação

Por Evandro Ferreira, Marcelha Pereira e Renata Duarte


“Estou grávida no meu 4° período da graduação, o que eu vou fazer?”, “Acho que vou desistir, não vou dar conta”, “Não vou ter tempo para cuidar da criança e estudar”, “Acho melhor trancar o curso e voltar quando a criança estiver maior”.*


“Eu tenho uma criança de quatro anos, acho que já posso voltar aos estudos”, “Mas ainda vai ser difícil, e se eu precisar levá-la algum dia para a sala de aula?, “Será que meus professores e minhas professoras irão aceitar? Qual será a posição da Universidade?”.*



“Eu acho que devo começar a fazer o curso dos meus sonhos, minha criança já tem cinco anos, preciso de uma formação”, “Vai ser difícil, mas preciso garantir meu futuro”.*


(Diálogos internos fictícios)

Esses pensamentos são frequentes em mulheres que engravidam em meio a graduação, mulheres que engravidaram enquanto estudavam e abandonaram o curso, assim como nas que já são mães e ainda não entraram na Universidade. Não são decisões fáceis de serem tomadas. Abandonar ou não? Voltar a estudar ou não? Começar ou não?

Audair Nascimento, 37, conta que já tinha seu filho Douglas quando entrou na UFRN para cursar Administração, em 2001. Ela sempre quis fazer faculdade e em seu segundo vestibular, cujas provas aconteciam durante quatro dias, ficou no quinto lugar da primeira fase e no 16° da segunda.

A administradora estudava à noite, mas era durante o dia que fazia os trabalhos e dividia sua atenção entre as várias apostilas que tinha de ler, seu trabalho como servidora pública e seu filho que tinha dois anos na época. “Algumas atividades não conseguia cumprir da forma como planejava pois tinha que escolher entre a atividade e tempo com meu filho. Daí a necessidade de levá-lo comigo algumas vezes. Eu também queria que ele conhecesse e de alguma forma participasse das minhas atividades”, comenta.

Os professores eram compreensivos e Audair diz que seus colegas gostavam e brincavam com seu filho. E durante a aula, Douglas era comportado e não atrapalhava. Ela lembra que nunca pensou em desistir, que o fato de ser mãe a dava mais força para continuar, porque não era só pelo futuro dela, era pelo da criança também.

No entanto, ela precisou trancar a matrícula em 2003, mas por questões de trabalho. Por sorte, voltou a estudar pouco tempo depois e em meio a essa volta, engravidou de uma menina que viria a nascer em 2005. “Essa nova gravidez me fez passar por novas situações, como dormir na sala de aula, por exemplo. Mas mais uma vez contei com a compreensão dos professores, não deixava de fazer nenhuma atividade, e colegas, inclusive consolidei uma amizade de algum tempo que dura até hoje”, relata.

Diferente do filho, a mãe não levava a filha para a UFRN, a menina ficava com a avó por ser muito pequena. Audair comenta que não teve apoio do pai das crianças, porém nem mesmo esse fato a levou a desistir do curso. 
Audair, em sua formatura, ao lado dos dois filhos: Douglas e Clarissa.

Hoje é formada em Administração e diz que o curso ajudou tanto a ela quanto ao filho mais velho. Ela não tinha o hábito de leitura antes da graduação e vendo o quão importante era, começou a incentivar o filho a ter gosto por livros desde cedo. “Estou certa de que ele é bom leitor e escritor por causa disso”, fala orgulhosamente. E para finalizar, Audair Nascimento chega à conclusão de que “a maternidade na graduação pra mim, ao contrário do que possa parecer, trouxe mais experiências e consequências boas do que ruins”.


Galdina Nascimento de Carvalho, 39, é mãe e cursa Jornalismo. Com a voz suave, ela diz que já tinha dois filhos quando ingressou na UFRN aos 35 anos. O filho mais novo estava com 5 anos e o mais velho, com dezoito. Coincidentemente, ela e o filho mais velho ingressaram em Universidades diferentes no mesmo período de 2015. 

Ela estudou um ano de Gestão de Políticas Públicas antes de ir para Jornalismo e diz que não passou por grandes dificuldades, mas que prefere encarar o período como recheado de adaptações. “Sua rotina muda totalmente, você tem que dividir seu tempo na rotina de casa, com os cuidados com o filho, trabalho e o estudo. Acho que tudo foi uma questão de tempo para que eu pudesse me adaptar à mudança”, fala. 

A estudante de Jornalismo comenta que a rotina de trabalho e graduação é mais pesada do que as tarefas como mãe. Devido ao trabalho, ela diz que por muitas vezes chega à faculdade com a cabeça cheia e com muita dificuldade de concentração. “É bem complicado”, desabafa. 

Em certos momentos ela necessitou levar o filho à sala de aula e fala que foi bem acolhida pelos colegas e pelos professores. Antes de começar a estudar, ela confessa que pensou nas dificuldades que poderiam surgir e que ficava arrumando soluções para elas em sua própria cabeça. “Até hoje as coisas estão caminhando bem, hora tenho tempo para estudar e hora não tenho. Vou seguindo dessa forma e vou me adequando a tudo. Mas desistir eu nunca pensei, eu só tive medo antes de começar a estudar, depois que comecei, eu não pensei em mais nenhum momento”. 

Galdina e Arthur em sala de aula.
"Eu acho que posso inspirar
um pouco e direcioná-lo para a vida."
Como Audair Nascimento, Galdina também não teve o apoio do pai da criança. Enquanto estava casada não teve o suporte para voltar a estudar e somente quando se separou do marido “despertou o sonho que estava guardado”, como diz. Ela conta com a ajuda da mãe para ajudá-la a cuidar do filho, mas quando a avó não pode ficar com o neto, Gal (como gosta de ser chamada) não hesita em levar o Arthur para a sala de aula.

“Ele aprende muito me seguindo, frequentando as aulas. Como os meus dois filhos me impulsionam para a vida, para querer mais, para correr atrás, eu acho que de alguma forma eu posso impulsioná-los também. Eu acho que eles lá na frente, principalmente o Arthur, vai recordar muito esses momentos da faculdade, momentos em que ele pode me ensinar e eu posso ensiná-lo também. Em que outros podem ensiná-lo, que são meus amigos, meus professores. Eu acho que posso inspirar um pouco e direcioná-lo para a vida. De uma coisa eu tenho certeza: o esforço é inevitável e o conhecimento é necessário”. 



Faculdade também deve ser espaço de apoio


O peso da responsabilidade pela criação de um filho comumente recai sobre as mulheres, e muitas não possuem o apoio necessário para correr atrás da formação acadêmica. Os desafios são variados e por muitas vezes alguns se tornam mais difíceis de serem encarados. 

É por isso que a Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), principal e maior instituição potiguar de ensino superior, oferece algumas ações de suporte para mães que precisam levar seus filhos para as aulas na faculdade. De forma direta, a UFRN oferece um auxílio creche no valor de 100 reais. Essa quantia é disponibilizada mensalmente para pais que apresentam situação de vulnerabilidade socioeconômica e que sejam responsáveis legais por crianças de 0 a 6 anos. A quantidade dos benefícios concedidos é limitada a 100 auxílios creche, quantidade que pode variar de acordo a disponibilidade orçamentária da universidade.

Outro de suporte oferecido para as mães é o Núcleo de Educação da Infância (NEI), é uma escola de ensino infantil ligada à UFRN que atende crianças da creche, pré-escola alunos até o quinto ano do ensino fundamental. Essas vagas são limitadas e disponibilizadas para todos que tiverem interesse, não apenas para a comunidade interna da instituição. A forma de seleção de ingresso é por edital e o critério de escolha é feito por meio de sorteio entre os interessados.

Além disso, outra ação disponibilizada para as estudantes e que pode ser útil para as mães é o apoio psicológico oferecido pela Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis (Proae).



E mais inspirações


Embora algumas mães consigam conciliar a maternidade e graduação, outras não têm a mesma sorte. A falta de apoio familiar, questões financeiras, pressão psicológica, múltiplas jornadas e outros fatores são suficientes para levar mulheres a abandonarem o sonho da Universidade. 

Luciane Oliveira, 47, é administradora e professora de nível superior, mas em sua juventude abdicou da faculdade de direito por conta da gestação. "Quando a empresa que eu trabalhava descobriu que eu estava grávida, me demitiu e por consequência tive que trancar a matrícula na faculdade. Razão pela qual decidi ficar em casa e ter a minha filha." 

Quatro anos depois, Luciane decidiu voltar aos estudos e ao mercado de trabalho por considerar que a filha não sofreria tanto com a sua ausência. Consideração que ela diz ter sido equivocada. Iniciou a faculdade de administração em meio a maternidade e trabalho, mas conseguiu concluir o curso anos mais tarde. "Só me permiti voltar ao mercado de trabalho quando ela estava com quatro anos de idade. Uma das razões que me levaram a isso, foi ter a segurança (ilusória) de que ela não sofreria tanto, pois me diria as ocorrências do seu dia". 

A professora conta que o período de jornadas triplas foi cheio de entraves, principalmente em relação à convivência com a filha. "O principal deles foi de passar tempo demais longe da minha filha e como consequência, ela me esperava acordada para ter contato comigo e isso atrapalhou a vida dela até hoje, pois o sono de uma criança é essencial para sua saúde e crescimento. No entanto, foi uma das formas que ela encontrou de compensar a distância e eu acabei concordando". 

Tendo o apoio do pai da criança, concluiu a faculdade de Administração e posteriormente a Pós-Graduação e o Mestrado. Luciane nos mostra que os estudos são importantes e presentes em sua vida, visto que recentemente ingressou na faculdade de Psicologia. 

Fabiana Barbosa, 42, já era mãe quando decidiu iniciar a sua primeira graduação. Ela começou o curso de Letras na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC - MG), mas teve de abandonar por questões financeiras junto a maternidade. Engravidou aos 21 anos e conta que não foi nada fácil conciliar o papel de mãe à vida universitária. 

Após 11 anos sem estudar, resolveu iniciar o curso de Direito que posteriormente concluiu em 2016. Sem o apoio do pai de seu filho, teve a responsabilidade de criar a criança sozinha, além de trabalhar e retomar as atividades acadêmicas. 
Fabiana e seu filho Ângelo, atualmente.
No decorrer da sua segunda graduação, Fabiana conta que precisou levar o filho às aulas por diversas vezes, principalmente aos sábados por causa da indisponibilidade de alguém para ficar com a criança, mas comenta sobre o auxílio da mãe durante a semana. "Quando tinha aulas aos sábados precisava levá-lo comigo. E nos dias de semana minha mãe o buscava na escolinha. Eu ficava muito tempo sem vê-lo, era muito ruim, mas foi necessário" 

Ao levar o filho à sala de aula, a empreendedora disse nunca ter passado por mal-estar com colegas de turma ou professores. “Todos sempre foram muito corteses e entendiam completamente a situação”, afirma. 

Historicamente as mulheres tiveram sobre si a responsabilidade exclusiva de cuidar dos filhos e da casa. Ao conquistarem os espaços públicos como mercado de trabalho e universidade, a conciliação dessas longas jornadas se tornou algo a ser pensado. 

A aluna Isabela Ferreira, 20, cursa história na UFRN e comenta a pauta que voltou a repercutir dentro da universidade: as políticas de permanência oferecidas a mães estudantes. "A gente vê que há uma falha do estado e das universidades que não dão assistência suficiente a essas mulheres de estarem adentrando esses espaços e conquistando sua autonomia porque não tem suporte de políticas públicas, auxílios que as ajudem a permanecer na universidade". 

A insuficiência de políticas públicas nesse quesito faz com que mães deixem de lado o sonho da graduação para se dedicar inteiramente aos seus filhos. A implementação de projetos que auxiliem essas mães é bastante frisada por Isabela. "Se o estado, município não fornece creches públicas com quantidades de vagas suficientes que atendam essas mães, as creches privadas também não irão atender, já que tem alto custo e não são todos que têm acesso. O próprio auxílio da UFRN não é suficiente para pagar uma creche para criança então a gente vê que ainda é preciso avançar muito". 

Maternidade e graduação é um dilema que vem de longa data. Há urgência em dar visibilidade ao tema que muitas vezes é deixado de lado. "Hoje em dia a demanda não é atendida, mais ou menos 80% das demandas por creches não são atendidas então muitas mulheres sofrem com isso, desistem dos sonhos de estar na universidades e emprego porque são mães. Precisamos começar a pensar em formas de mulheres estarem adentrando esses espaços sem serem prejudicadas. E aí fica o dever de cobrar a universidade e Estado por políticas, auxílios, creches que atendam mães e pais que necessitam", disse Isabela.

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