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Marielle vive

Ato em Natal reúne ativistas em frente ao Midway

Por Tiago Silva

Mulher com cartaz em memória de Marielle. Foto: Tiago Silva

No sétimo dia de morte da vereadora do Rio de Janeiro pelo Psol, Marielle Franco, executada a tiros junto com seu motorista, Anderson Pedro Gomes, centenas de pessoas ocupam a calçada do shopping Midway Mall, em ato pela memória da defensora de direitos humanos e contra o extermínio da população pobre, negra e LGBT e contra a intervenção militar no Rio de Janeiro. Este ato ocorre simultaneamente em várias cidades do País e é um desdobramento das manifestações ocorridas no dia 15 de março nas ruas e de toda mobilização e solidariedade demonstrada nas redes sociais pelas brasileiras e brasileiros.

Empunhando cartazes, faixas e cruzes de madeira, os ativistas fizeram reverberar pelos megafones e carro de som a voz silenciada de Marielle e de outras tantas mulheres negras de luta que ousaram e não aceitaram o lugar que lhes foi historicamente atribuído. “Foi uma perda muito grande por ela ser uma mulher preta que conseguiu ter visibilidade”, conta Luciara Freitas, da Comissão de Direitos Humanos da OAB e do coletivo Negras de Periferia. Luciara fala da dificuldade em levantar a bandeira dos direitos humanos, pois é senso comum na sociedade que defender esses direitos é algo negativo, sobretudo quando se refere aos direitos humanos de negros da periferia, pois seriam “bandidos”, e diz que a morte de Marielle é como se fosse a morte de cada mulher negra que conseguiu de alguma forma algum tipo de visibilidade na sociedade. 

“Em árvore que não dá fruto ninguém joga pedra; então, se a gente tá recebendo pedra, é porque de alguma forma a gente tá incomodando”, referindo-se à onda de notícias falsas que que invadiu a Internet após a morte de Marielle, numa tentativa de desconstruir toda sua história de luta. 

Adonyara Azevedo, do Quilombo Raça e Classe, conta que, neste momento de enorme polarização social, os conservadores utilizam todas as ferramentas possíveis para disseminar o ódio, inclusive a morte. E enfatiza: “Respeitem a dor da família de Marielle, respeitem as mulheres negras!”. Camila Barbosa é militante do Juntos e do Psol e não se surpreende com essas tentativas de manchar a imagem de Marielle, mesmo após sua morte, e diz que o partido está reunindo todo o material difamatório que circula na Internet sobre a vereadora para entrar com ação na justiça.

Em círculo, intervenção de mulheres com cruzes de madeira. Foto: Tiago Silva

“Não deixe a negra morrer, a juventude acabar, a polícia que sobre no morro só sobe pra exterminar”

William escreve suas reivindicações em cartolina. Foto: Tiago Silva

A morte de Marielle ampliou ainda mais o debate sobre a necessidade de desmilitarização da PM e o questionamento sobre a intervenção militar no Rio de Janeiro. William tem 23 anos e é coordenador da rede de cursinhos populares Emancipa. Ele acredita que a intervenção no Rio não está para garantir a segurança pública, mas sim para exterminar a população negra. “E um ponto central de Marielle é que ela se posicionou contra essa intervenção de forma muito rígida, inclusive, acredita-se que foi por ela ser tão incisiva nessa pauta que ela foi executada”, diz. 

William conta que a intervenção militar no Rio não é de hoje, apenas do governo Temer, mas também dos anteriores, com as UPPs e a intervenção durande a Copa do Mundo de 2014, e que isso tem atingido diretamente a população negra.

Para ele, a morte de Marielle é uma tentativa de calar a voz de um país com população majoritariamente negra, à tentativa de romper com as barreiras impostas a esta população, que teve seu acesso à educação e aos espaços de poder, como a câmera de vereadores, por exemplo, no caso de Marielle. “E ela conseguiu romper com isso tudo saindo da favela da Maré, entrando na universidade, enquanto mulher, enquanto LGBT”. Durante sua fala no ato, William fez menção de solidariedade à companheira de Marielle, a arquiteta Monica Tereza Benício, muitas vezes invisibilizada, que precisa de nosso total apoio neste momento.

William acredita que a intervenção militar no Rio só serve para extermínio da população negra. Foto: Tiago Silva


Vozes silenciadas

Lívia está acorrentada e amordaçada. Passou o ato assim. Muda e imóvel. Mas seu simbolismo grita, e diz que ela está machucada por dentro. “Dói em mim e na minha companheira e na minha família. Há uma semana eu me encontro de luto e aqui estou também, pra expressar o meu luto e tentando transformar em luta”, conta. 

Ela acompanhou o histórico de lutas de Marielle e seu mandato como vereadora do Rio de Janeiro. E diz que mataram a principal voz que ela tinha neste país. “Me sinto hoje como uma ninguém e uma ninguém no sentido de não ter voz”, explica o simbolismo da mordaça.

Lívia está amordaçada em protesto à tentativa de calar a voz de Marielle. Foto: Tiago Silva

Esse ato é resposta a quem mandou matar Marielle, que achou que iria calar a voz das periferias, das mulheres negras, LGBTs e da juventude. Engano. Há uma semana, seu nome reverbera por cada canto deste país. E o de Anderson, Aurora, Isolda e o de milhares que foram vítimas deste Estado. O ato encerrou ao som de tambores e com a voz de Adonyara, com “O canto da cidade”. E mostrou que a cor desta cidade é negra. É Marielle. Hoje e sempre.

Faixa com o nome de Marielle é estendida quando o sinal fecha. Foto: Tiago Silva

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