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Projeto de leitura proporciona nova perspectiva de vida para crianças em Sibaúma



Mesmo com poucos recursos, voluntárias mantêm a “ Biblioteca Leitura na praça” em um ambiente ventilado e simples, onde as crianças se acomodam da melhor forma para dar início as atividades do dia

Por Gideão Marques e Júlia Maciel

Fachada da biblioteca | Foto: Gideão Marques/Caderno de Pauta 

Em um casebre azul aconchegante no litoral sul potiguar, o projeto “Biblioteca Leitura na Praça” ganha vida. Fundada em 2010, a biblioteca atende crianças e adolescentes oferecendo oficinas de “contação de histórias”, leitura e artes. Entre figuras, frases e pinceladas as crianças vão se distraindo e descobrindo o mundo.

Maria José, fundadora do projeto | Foto: Gideão Marques/Caderno de Pauta

Maria José “Marizé” Silva de Assis, 56, comerciante e contadora de histórias, é fundadora da iniciativa. A biblioteca foi pensada como uma extensão do projeto “Leitura na praça”, realizado em Pipa, e foi estabelecida em Sibaúma visando atenuar o déficit pedagógico da região. Marizé declara que almeja levar um pouco mais de conhecimento por meio do projeto e assegura que o incentivo à leitura fará a diferença um dia, mesmo que ainda não seja tão acatado. “[O projeto] já é parte de mim, já me apaixonei.”, afirma. “Para mim a biblioteca é uma realização. É algo que eu amo. [Amo] as crianças de paixão. Para mim foi um presente na vida”, conclui.

Bernadete, voluntária, ministrando uma oficina | Foto: Gideão Marques/Caderno de Pauta

A professora aposentada da UFSC, Bernadete Aued, 70, é uma das quatro voluntárias da biblioteca. "É um projeto muito rico pela aposta nas crianças. Se eles serão pintores, eu não posso dizer. Mas essas horas que eles passam aqui enchem o coração [deles] de alegria", diz a professora. Com carinho, afeto e palavras de incentivo, Bernadete afirma estar na iniciativa para ajudar os jovens a ultrapassar os seus limites.

Rosemeire, voluntária, (esq.) e Carla, frequentadora do projeto, (dir.) | Foto: Gideão Marques/Caderno de Pauta

Apesar de Tibau do Sul apresentar uma melhora crescente no IDHM (Índice de Desenvolvimento Humano Municipal), com uma taxa de 26,22%, na última atualização, o distrito de Sibaúma não reflete essa melhora. Dessa forma, devido à desigualdade social do local, muitas crianças possuem uma alimentação inapropriada em casa. Por isso, elas vão à biblioteca com fome. A alternativa encontrada foi servir comida, para que todos pudessem se concentrar melhor nas atividades. "Nós servimos lanches há quase um ano para as crianças, com a ajuda voluntária da Cássia [Andrade, 44], porque observamos que elas estavam meio tristinhas", conta Rosemeire Sousa, 65, professora de Língua Portuguesa e voluntária do projeto há dois anos. "No meio da oficina, chegou uma criança e me disse: 'Rose, eu não quero pintar. Eu quero lanchar!' Você sabe o que isso significa?", indaga.

Eugênia, voluntária | Foto: Gideão Marques/Caderno de Pauta

Vinda da Argentina, a voluntária Eugênia Beatriz Delvito, 32, está envolvida no projeto há um ano. Mesmo com pouco tempo de vivência, ela conta já perceber a mudança de comportamento das crianças, que desenvolvem e melhoram – cada dia mais – suas habilidades comunicativas, tanto gestuais quanto verbais. Além disso, a argentina reconhece as carências de afeto, artes e educação sofridas pelas crianças e enfatiza a falta de ajuda material e humana voluntária. “Você se realiza que não precisa de nada para ajudar, mais do que ter vontade”, afirma Eugênia. “[O projeto] me modifica a partir do ponto de vista que estou fazendo algo a alguém. Ajudando do meu modo, da forma que posso. Colaborando com pequenas coisas a gente faz muito”, conclui.

Crianças durante a oficina de leitura | Foto: Gideão Marques/Caderno de Pauta 

Apesar de todas as crianças frequentarem a escola, grande parte sente dificuldade na aprendizagem da leitura. De acordo com o IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), em 2015, os alunos do ensino fundamental da rede pública da cidade tiveram um nota média de 4.4, para os alunos dos anos iniciais, e 3.8, para os dos anos finais. Assim, o projeto também auxilia no desenvolvimento das habilidades de leitura e escrita gramatical. “O analfabetismo é o maior problema”, conta Marizé. “Não sabem as quatro operações matemáticas, têm dificuldade em escrever e não sabem escrever em letra cursiva”, completa Rosemeire.

Emilly (esq.) e Daiane (dir.) | Foto: Gideão Marques/Caderno de Pauta

Mesmo com todos os obstáculos, as adolescentes Emilly Letícia, 11, Vanessa Ramos, 11, e Daiane Fagundes, 12, demonstram otimismo e engajamento com a Biblioteca. Por meio dos estudos e das oficinas, buscam mudar suas realidades de vida. “Eu aprendo mais aqui, porque elas [as voluntárias] ensinam mais coisas”, afirma Emily. "Na escola não é mesma coisa, porque aqui a gente aprende muitas coisas legais que na escola não têm", confidencia. Questionadas sobre o motivo de estarem participando do projeto, foram enfáticas: "A alegria e a felicidade de acordar para pegar no pincel e pintar".

Crianças participando de desova de tartarugas | Foto: Gideão Marques/Caderno de Pauta

Os ensinamentos transpassam os muros da biblioteca. Com o apoio do projeto Tamar, as crianças presenciaram, pela primeira vez, uma desova de tartarugas-de-pente no último sábado, 12. Antes de guiar as crianças até o mar, o biólogo e executor de base do projeto Tamar no Rio grande do Norte, Daniel Henrique, refletiu com os jovens, por meio de músicas, a importância de cuidar da vida marinha, da necessidade de preservar o meio ambiente e sobre como nós podemos cuidar da natureza. As crianças, animadas, durante o trajeto até à praia, foram cantarolando o refrão de uma das músicas: “Casco, cabeça, casco, cabeça. Cabeça é para pensar”.

Crianças durante oficina de leitura | Foto: Gideão Marques/Caderno de Pauta

Como todas as crianças, Emilly, Vanessa e Daiane possuem sonhos. Alimentados diariamente no casebre azul, os desejos das garotas é seguir as carreiras profissionais sonhadas – dançarina, bailarina e policial, respectivamente. Mesmo com poucos recursos, as voluntárias da Biblioteca fazem crescer a esperança dos jovens para que possam mudar as próprias realidades e o mundo por meio da leitura.

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