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Assédio sexual: silêncio, revolta e medo

País onde mais se mata mulheres por motivos de gênero, o Brasil também se destaca negativamente nos crimes de perseguição contra elas


*Por Gideão Marques


Segundo dados do Datafolha, 42% (quarenta e dois por cento) das mulheres brasileiras dizem ter sofrido assédio sexual pelo menos uma vez na vida. Seja no trabalho, na universidade, na rua ou em transportes públicos, esse tipo de situação desagradável tem se tornado comum em todo o território nacional.  

É muito comum que os assédios sejam frequentemente confundidos no ambiente de trabalho, por causa da hierarquia, onde algumas funcionárias não sabem distinguir o que faz parte do ofício e o que é de fato uma insistência por parte do seu superior. Ainda, existe a necessidade de se manter e se destacar no mercado de trabalho, tendo em vista que o Brasil vive uma intensa crise financeira desde 2008. Por isso, muitas preferem o silêncio para não serem demitidas.

(Infográfico: Datafolha)
O assédio sexual está presente, em sua maioria, em grupos mais vulneráveis: negros, classe social baixa. Devido ao forte racismo e a separação de pobres e ricos – herança deixada pelos europeus durante o processo de "colonização" –, muitas pessoas se utilizam desse pensamento e agem covardemente contra esses grupos. Embora saibamos disso, o assédio sexual não tem cara, cor e nem muito menos classe social. A pessoa pode ser privilegiada ou mais desfavorecida: não importa. A falha no caráter de impor que as pessoas façam aquilo que não querem e se utilizar, por muitas vezes, de poder ou prestígio social para se obter ¨proveito¨ é, no mínimo, doentio e não escolhe pessoas; ele simplesmente acontece.

Neste ano, durante apresentação do programa Teleton, exibido no SBT desde 1998 e que tem como objetivo a causa social de ajudar a Associação de Assistência à criança Deficiente (AACD), Silvio Santos dirigiu palavras para a cantora Cláudia Leitte, onde muitos julgam serem configuradas como assédio: ¨Não posso ficar dando abraço porque eu me excito, e eu não posso ficar excitado. A gente admira você como mulher, mas ver você como está se apresentando dá vontade de…¨, disse o apresentador. 

Claramente incomodada com os comentários, a cantora disse que estava com vontade de sair do palco do programa: “Estou pensando em ‘vazar’”, disse Cláudia durante a gravação. Em suas redes sociais, ela se pronunciou sobre o caso e lamentou o ocorrido: “Senti-me constrangida sim! Quando passamos por episódios desse tipo, vemos em exemplificação o que acontece com muitas mulheres todos os dias, em muitos lugares. Isso é desenfreado, cruel, nos fere e nos dá medo”.

Nas universidades, onde se tem um público feminino muito grande, essas pessoas -maioria composta por homens- veem um ambiente propício para se aproveitar de meninas e mulheres. A universitária J. S. S, moradora do município de Tibau do Sul, fala sobre o transtorno vivenciado por ela em mais um dia comum da sua rotina de ida para a universidade. Ela diz que não esperava que o senhor, de uns 50 anos, fosse ter essa capacidade: “Ele é um conhecido de todo mundo, tirava brincadeiras e conversava normalmente”, afirma. “Em um dia eu estava sentada ao lado dele, no ônibus, indo para a faculdade. Até que ele começou a passar a perna dele na minha perna. Eu fiquei incomodada e afastava, não tive coragem de falar nada [por ser uma pessoa mais velha],” continua.

Na viagem de retorno, a jovem estudante teve de encarar o senhor mais uma vez. Já debilitada psicologicamente e sem reação, ela conta que foi um terror o trajeto de volta: “Ele me encarou e perguntou o que eu tinha, pois eu estava muito estranha [segundo ele]. Eu respondi que estava doente e que não estava me sentindo muito bem, mas era para tentar despistar ele e fazer com que ele ficasse longe de mim.

Universitária vítima do assédio (Foto: Gideão Marques/Caderno de Pauta)

Como o senhor ao qual a vítima se refere também é universitário e morador da mesma região que ela e, por isso, frequenta o mesmo ônibus todos os dias, ela ficou muito assustada e nervosa durante toda a semana pós-trauma: “Eu estava sempre muito assustada e querendo fugir dele, não me sentia confortável. Ficava com medo quando eu ia pegar o ônibus [universitário], porque eu sabia que quando eu chegasse lá, ele estaria lá. Então, foi uma fase muito complicada, até eu conseguir me recuperar e poder encará-lo de uma forma que eu não sentisse medo”, revela a estudante.

Os abusos são cometidos, em grande parte das vezes, por pessoas próximas e onde não depositamos nenhuma aversão ou desconfiança. Dessa forma, quando eles ocorrem, as vítimas ficam com medo, não só do agressor, mas de as outras pessoas não darem crédito ao que elas vivenciaram. “Eu entendo as pessoas que ficam receosas. Até pelo fato de estar fazendo uma acusação contra alguém que você nem imagina e que não tem relatos de outras pessoas que tenham passado por isso. Ou seja, ele é uma pessoa mais velha e respeitada por todos dentro do local. Fiquei com muito medo”, relata a jovem J.S.S.

Na Delegacia da região, quando as mulheres chegam para realizar as denúncias são atendidas por um policial. Algumas se sentem incomodadas e pedem para relatar o caso à escrivã Patrícia Gomes de Oliveira, 41, que trabalha lá há um ano. Questionada sobre a quantidade de mulheres que fazem denúncias na delegacia, Patrícia foi enfática: “Não temos muitos casos de abuso sexual aqui”, diz.   

O delegado da região, que está no comando há cerca de um mês, Everaldo da Silva Fonseca, 50, reitera a fala da escrivã e confirma serem poucas as denúncias. Ele ainda disse que esses casos acabam não entrando para a estatística, por se tratarem de crimes da esfera privada.

A J.S.S diz que não realizou Boletim de Ocorrência (B.O) por medo e por não querer se expor. Assim agem muitas vítimas. Não denunciar os casos faz que as autoridades não saibam da frequência com que esses crimes estão acontecendo, e isso impossibilita o trabalho de prevenção e de detenção do criminoso. É demasiadamente importante que essas mulheres realizem o B.O. para que as providências necessárias sejam tomadas.

Aproximadamente 4 meses após o assédio, a vítima diz não ter medo, mas sente nojo ao olhar para o senhor. Além disso, suas atitudes mudaram e ela diz estar muito mais cautelosa: “Eu sempre fui uma pessoa muito extrovertida com todo mundo. Sempre abri as portas da amizade. Quando isso aconteceu, eu comecei a ter mais cuidado com as pessoas que a gente não pode confiar, e prestar mais atenção naquelas que passam por isso. Se colocar no lugar de alguém que passou [ou está passando] por essa situação; de como que elas se sentem em um momento como esse; se colocar, de fato, no lugar das pessoas”, conclui a estudante.

Disque 100: funcionando 24 horas por dia, as ligações são gratuitas e podem ser feitas de qualquer lugar do Brasil. A denúncia é anônima e as demandas são encaminhadas para as autoridades competentes.

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