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A cultura do ódio é intrigante e fascinante ao mesmo tempo

Por Douglas Lucena


Em primeiro lugar, começo explicando de maneira sucinta uma teoria que servirá de auxiliadora para a compreensão deste texto. A Teoria da Ferradura, termo mencionado pela primeira vez pelo escritor francês Jean-Pierre Faye, refere-se a uma teoria descrita em seu livro “Le Siècle des idéologies”, traduzido como “O Século das Ideologias”, de 2002. O conceito descreve que os espectros políticos extremos tendem a convergir suas ideologias para um único ponto. Portanto, a extrema-esquerda e a extrema-direita, por exemplo, mesmo opondo-se ferrenhamente uma a outra, são tecnicamente muito semelhantes. Os objetivos de cada lado podem ser distintos, porém os meios utilizados para alcançá-los são quase os mesmos. 

Ilustrando a Teoria da Ferradura, com conceitos morais atrelados aos econômicos 

Dito isto, é engraçado notar como tanta gente conserva ódio dentro de si a ponto de levar este sentimento de maneira escrachada e escancarada para as ruas, para clamar por uma intervenção "divina" personificada na figura de alguém que pensa exatamente como eles: com uma raiva cega, explicando determinadas problemáticas tão complexas do país com truísmos, e dizendo, audível como música para a população, que são coisas simples de resolver. A exemplo da segurança pública. Basta revogar o Estatuto do Desarmamento e armar a sociedade que está resolvido. 

Ademais, motivados muitas vezes pela religião predominante do país, estes chamados “cidadãos de bem” cultivam um ódio semelhante para com os LGBTs, cujas práticas, de acordo com o livro sagrado que dizem seguir, são passíveis de repúdio e desprezo pelo Deus interpretado por eles e que, por isso, devem ser eliminados da terra. Essas e outras razões são suficientes para impedir-lhes que ouçam a própria voz e entendam as próprias palavras, levando uma pessoa completamente despreparada, porém com boas intenções (e não é disso que o inferno está cheio?) e que fala aquilo que o dito "povão" quer ouvir, a receber 49 milhões de votos (dados do primeiro turno) e confirmar sua eleição para presidente da república no segundo turno, com 8 milhões de votos adicionais. O desespero por um messias (olha a ironia do trocadilho) os leva a aceitação do ódio que tanto fingem não existir no meio deles. 

Por outro lado, distante da outra ponta e, paradoxalmente, quase lado a lado, estão aqueles que se opõem ao agora presidente eleito: os chamados, por ele, vermelhinhos. São uma turma "good vibes", que pregam a tolerância e o respeito e dizem aceitar todas as formas de pensamento, mas que tratam o ódio do opositor com mais ódio. Veja, o paradoxo mencionado não está aqui. O filósofo Karl Popper, no ano de término da Segunda Guerra Mundial, estabelece em seu livro "The Open Society and Its Enemies", traduzido como "A Sociedade Aberta e Seus Inimigos", o que conhecemos por O Paradoxo da Tolerância. E eu concordo. Ele diz: 

"Menos conhecido é o paradoxo da tolerância: tolerância ilimitada leva ao desaparecimento da tolerância. Se estendermos tolerância ilimitada até mesmo para aqueles que são intolerantes, se não estivermos preparados para defender a sociedade tolerante contra a investida dos intolerantes, então os tolerantes serão destruídos, e a tolerância junto destes.

No decorrer da obra, Popper ainda afirma que devemos, em última circunstância e caso faça-se necessário, usar da força para reprimir a intolerância, para que não contamine a sociedade e destrua os tolerantes. Com os vermelhinhos, entretanto, a questão é outra: além de não tolerarem o intolerante, que é o certo, eles também não toleram pensamentos que se oponham aos deles. Percebe a ligação dos fatos narrados até aqui com a Teoria da Ferradura? Termina que, no fim, eles agem exatamente do mesmo jeito que seus opositores eleitores do Messias. Mas qual a base desta minha afirmação? 

Vamos resgatar alguns acontecimentos de um passado recente com a humilde finalidade da compreensão. O terceiro candidato mais votado para presidente desta eleição firmou-se, desde o início de sua corrida eleitoral, como a terceira via. Quem já está cansado de A e de B, vai de C. O X da questão neste momento (e aja alfabeto) é o fato de que todos tinham um inimigo em comum: o antidemocrata; o fascista, aquele que não irá respeitar a Constituição num possível governo. O resultado das votações já sabemos. Das consequências disso, ainda iremos saber. Acontece que, essa terceira via foi amplamente criticada por, aparentemente, ficar em cima do muro. Foi amplamente criticada por, de acordo com os vermelhinhos, ter optado pela neutralidade. O que não ocorreu, afinal sua posição sempre esteve clara: “votar contra o fascismo”. E para isso, todos sabemos qual o único número cumpria esse mandamento na urna. Porém, o que eu quero destacar aqui é que o mesmo ódio usado pelos vermelhinhos contra os eleitores ditos fascistas foi usado também contra os adeptos da terceira via, por simplesmente não pensarem da maneira como eles pensam. 

Me deparei na terça-feira, 30, com um tweet de um jogador de e-sport profissional no qual o mesmo fez uma piada relacionando a renovação política com um jogo eletrônico. A palavra renovação foi usada pelo autor do tweet no sentido de mudança para algo novo. Os vermelhos, por sua vez, sem dar espaço para questionamentos e/ou discussões, interpretaram como uma mudança para algo melhor. E mais, exigiram um posicionamento político claro do jogador, sob severos xingamentos e frases como “você é uma vergonha para a comunidade LGBT”, devido o profissional ser homossexual assumido. 

Enfim, a premissa do título deste texto é verdadeira. O fascínio se dá pela complexidade e pelos moldes construídos por ambos os lados do espectro político, que torna esse sentimento tão antigo em algo tão interessante de ser estudado. E intrigante ao mesmo tempo, pois com um consenso entre seus membros, tanto da esquerda quanto da direita, fica estabelecido que o ódio pelo ódio é condenável, a menos que seja direcionado para as pessoas certas. Este é o ódio do bem.

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