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Moça-velha

*Por Luiza de Paula

(Fonte: Spiritfanfiction)

“Moça-velha” era como me chamavam no auge dos meus seis anos. Transitava com mais facilidade pelo universo dos adultos e achava o suprassumo da liberdade falar palavrão abertamente, receber a hóstia na igreja e ir à farmácia comprar absorventes e Prestobarba. O mundo dos maiores de dezoito anos me parecia, à época, tão mais interessante do que brincar de boneca, tica-tica ou bandeirinha, embora eu adorasse sem nem me dar conta. Acho que sempre gostei das coisas por contraste. 

Como soava bonito o tal do adultecer! Toda gente grande que eu conhecia era forte, segura de si, cheia de certeza e parecia sempre saber conduzir qualquer situação. Adultos não choravam e o terreno em que pisavam parecia sempre firme. Havia em cada um deles uma espécie diferente de autossuficiência e tudo aquilo me encantava, mais do que passar o dia inteiro na cômoda da minha avó paterna procurando suas melhores maquiagens para maquiá-la. Me encantava mais do que abrir seu closet, tirar todos os saltos e ficar caminhando pelo casarão da Rua Praia Ponta do Mel, tentando ter uma vocação para modelo ou atriz que, coitada, nunca tive. 

Acreditava com veemência que aquele medo miserável que senti aos cinco, ao me perder em meio ao espetáculo de Ballet lá na Escola Crescer, jamais se repetiria. Achava que os cuidados dos meus pais ficariam ultrapassados. Acreditava que usar sutiã era chique e cursar Direito seria o único caminho possível, e bater o meu martelo de juíza seria o ápice da minha vida. Eu realmente fazia jus ao “Moça-velha.” 

Adulteci. Mas que grande merda! Não sou forte, muito menos segura de mim. Cheia de dúvidas, poucas respostas e não sei conduzir quase nenhuma situação. Choro mais do que quando tinha cinco anos, afinal, as atribulações, responsabilidades e incertezas dos vinte doem mais do que não ser escalada para integrar o time desejado da polícia e ladrão. Percebi que nada há de extraordinário durante às compras de absorventes, a não ser a cólica e o inchaço corporal. E que usar lâmina de barbear não é considerável uma boa indicação para se pôr em prática. Reparei que, assim como aos seis, continuo sem compreender muito bem a “transubstanciação” de Cristo e a relação direta com a hóstia. Descobri, olha só, que autossuficiência não existe! Assim como toda visão que a “moça-velha” tinha. 

Aos seis eu não sabia que os adultos tinham que pegar três ônibus para chegar ao trabalho e mais três para voltar. Não sabia, também, que um salário mínimo não corresponde ao trabalho despendido por cerca de oito horas diárias laborais. Não sabia que você precisa pagar para ter acesso à saúde e olhe lá. Não sabia que eles não sabiam de tudo e, tão somente, tinham uma vergonha descomunal de dizer “não sei”. Não sabia que fazer amizade não era apenas perguntar: “quer brincar?” Não sabia que os adultos precisavam se preocupar com a política, com a coisa pública e com a democracia – sempre tão posta em risco. Não sabia, também, que os adultos pudessem ser tão cruéis ao ponto de simpatizar e colocar na presidência do país um sujeito com discursos horripilantes de extrema-direita. Não sabia que muitos adultos não são apenas crianças envelhecidas, e que a peculiaridade da vida transborda, e que absolutamente nada é como parece ser. 

Ainda assim, o universo dos adultos me encanta e acho o suprassumo da liberdade falar palavrão e comprar absorventes. Os descontentamentos e angústias do "adultecer" me fazem perceber o pulsar da vida, como dizia Heidegger. Ser gente grande ainda assim é legal, eu juro. 

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