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Crônica dos tempos da Democracia

Por Luiza de Paula



Sete horas em ponto do dia vinte e oito de Outubro de dois mil e dezoito. O espaço e o tempo pararam. Interrompeu-se a programação para anunciar a pesquisa de boca de urna para presidente. Segundos de tensão. Jair Messias Bolsonaro com cinquenta e seis por cento dos votos válidos. Minha respiração parou por um tempo. Meu corpo começou a formigar – sinal de queda de pressão, suponho. Sim, eu sabia! Mas fácil é saber no campo abstrato. O concreto é palpável e dói. 

Reconhecemos na prática que o Brazil está matando o Brasil. Ou, seria mesmo, os dois Brasis com “s” e eu que não quero ver? Colocar um espelho com lente de aumento perante a realidade abala a ideia que nós tínhamos sobre o outro, mas como tudo tem o lado bom, tem uma máxima que anda na moda que pode nos acalentar: “reconheceis a verdade e a verdade vos libertará.” Me libertará do ódio disfarçado de brincadeira. Me libertará do preconceito enrustido. Me libertará de uma elite que às sete vai à missa e às dezenove vai à festa da intolerância. Me libertará de quem conseguiu o desastroso feito de não ter compreendido absolutamente nada sobre a vida. Aliás, já me libertou. O Instagram vem sendo meu detector de verdades e o “Unfollow” anda sendo meu hobby. Ah! E perder seguidor também. Ainda bem! Não quero ter comigo quem de dia saúda a um revolucionário progressista, ele mesmo, um tal de Jesus Cristo e à noite bate continência para o torturador Carlos Alberto Ustra. Adoro contradições, mas não tolero desvio de caráter. 

Hoje admirei e valorizei um pouco mais a liberdade de ser e de expressar-se. Hoje compreendi o âmago profundo dos poetas. Hoje saquei o quão revolucionária é a leitura. Hoje eu respeitei mais os que lutaram contra o arbítrio, a força bruta e a censura. Hoje eu enxerguei o Estado Democrático de Direito como nunca antes. Hoje tudo ficou turvo e logo depois, um surto de clarividência. Hoje eu tive convicção de que estou do lado certo da vida e da história. E nada, absolutamente nada, pode ser mais reconfortante do que saber se posicionar frente ao mundo e saber identificar os lobos em pele de cordeiro. Hoje vi que perder lutando e na resiliência nem é perder tanto assim. É ganhar! 

Faz um tempo que o sinal não fica verde para nós. Estava no amarelo. Mas hoje está no vermelho e, literalmente, fechou para nós – que somos jovens. Fechou porque veio uma roda-viva querendo levar o destino pra lá. Mas a gente vai contra a corrente até não poder resistir. Sempre. Porque estamos vendo, infelizmente, que ainda somos os mesmos e vivemos como os nossos pais. E que os nossos ídolos ainda são os mesmos. E que Elis vive! E Belchior sempre esteve certo! E que Chico não merece chorar novamente em busca da Democracia! E que a concretude dos fatos nos toma como um monstro emergindo da lagoa. E que amanhã há de ser outro dia e tudo isso vai passar. E que eu não sou nada fã de cálices, cálice ou cale-se.

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