Recentes

“Todo dia ela faz tudo sempre igual” - Da recessão à sobrevivência

Por Ylanna Pires

Luzia Francinete de Macêdo, ambulante.
Foto: Ylanna Pires. 
O trecho da canção de Chico Buarque título-trocadilho dessa reportagem, não foi usado como mero artifício para chamar atenção do leitor. Mas sim, como ilustrativo poético de uma realidade trágica. Ela, a recessão, fenômeno de contração da economia ocasionado pela diminuição da geração de riqueza do país, tem feito todos os dias tudo sempre igual: deixado milhares de brasileiros desempregados, sem esperança e jogados à informalidade dos chamados “bicos”.

Segundo o IBGE, o número de desempregados no país batia a marca de 13,2 milhões de pessoas no primeiro trimestre desse ano. A mesma pesquisa, em parceria com o Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), demonstrou um aumento no que diz respeito aos empregos informais.

Com relação ao Nordeste, a taxa de desemprego é ainda mais preocupante, pois alcança a marca de 15,9% e lidera o ranking das regiões com maior índice de pobreza e desemprego do país. É nesse cenário que Luzia Francinete de Macêdo, 53, faz do seu cotidiano meio de sobrevivência a uma crise que segundo ela “existe desde que papai tinha dente”.

A ambulante “Fran”, como prefere ser chamada, trabalha nas ruas da capital do estado do Rio Grande do Norte há 35 anos, natural de uma cidade interiorana de Pau dos Ferros, localizada na região do Alto Oeste. Ela veio buscar na Cidade do Sol melhores condições de vida e uma fuga para o destino da inchada e da agricultura, que rege a economia das microrregiões norte-riograndenses.

Encontrei Fran em umas das passarelas da Zona Sul da cidade, e me apresentando, faço-a meu convite para transformá-la em personagem dessa matéria sobre a classe trabalhadora a qual ela faz parte, ao que me responde: “Conheço essa faculdade que você estuda, formei uma filha lá. Ela é professora de menino pequeno”. 

Dada a conveniente coincidência, ganho a simpatia da comerciante, que diante do meu questionamento de como foi parar na informalidade e como se dá sua rotina, dispara: “Trabalho aqui em Natal faz uns 35 anos, vim bem novinha pra cá, nunca trabalhei em empresa e nem estudei, é com isso aqui que criei cinco filhos, dois são ambulantes também. Vim pra cá, porque você sabe né? Menina nova não quer trabalhar no roçado. Eu não queria. Sou feliz aqui".

Sobre as principais dificuldades de se trabalhar na rua, sem proteção ou resguardo e quanto “dá pra fazer” no mês, em dinheiro, ela diz: "Muito não, não faço muito. Mas assim, é o de viver né? Era mais difícil antes, agora meus cinco filhos tão criados e me ajudam, eu faço uns 300 reais. A única coisa ruim de trabalhar aqui é o risco de acidente, né? Como a gente corre pra pegar uma brechinha nas janelas dos ônibus pra vender pro povo que vem, pode cair sabe? Ou até ser atropelado. Sim, e assalto. Assalto tem muito. Não me assaltam porque tou velha”, brinca ao enaltecer o tempo de trabalho e os anos de vida. 

Questiono se nos últimos anos, visto a crise que assola o país, Fran tem percebido algum aumento no número de ambulantes. “Essa crise existe desde que papai tinha dente, que aumentou, é verdade, aumentou, na verdade dentro dos ônibus, porque fora tá menos faz uns anos...os homem do Ministério Público queria tirar nós tudo daqui. Mas as outras autoridades não deixaram, eu até ia mudar. Ia começar a vender no Bom Pastor, moro lá. Mas não tem freguesia, ainda bem que deu certo. O povo com medo saiu da rua e foi pras condução, né? Mas eu não tenho mais idade pra isso, é muito perigoso e ainda mais, se entrar no ônibus tem que pagar a passagem. E quem vende essas baganinhas que não tira nem o da passagem?!”.

O ato do Ministério Público que Francinete se refere é ação civil contra o município de Natal, que solicitava a retirada dos ambulantes das vias públicas da cidade. A ação tem nove anos, e foi negada. Procuro saber dela sobre a rotina dos ambulantes, sobre o que vendem, quais os horários de pico e a jornada de trabalho.

“Antes a gente só tinha hora pra chegar, chegava assim, lá pras sete horas, quem tem barraquinha chegava mais cedo. E aí a gente ficava até ás nove ou dez horas noite. Era bom, pegava a freguesia de quem fazia faculdade. Mas agora não pode, tem assalto até de meio dia, imagina de noite... quando dá a noitinha todo mundo arruma as tralhas pra ir simbora. E assim, de venda, a gente vende tudo, água, balinha, óculos, pulseira, bolsa... Sim, tem cerveja também, você quer?”

Foto: Ylanna Pires. 

Recuso a gentileza alegando não beber. Pouco tempo depois chega uma criança carregando sacolas e falando apressada com a comerciante, pergunto quem é e se trabalha com ela. “Trabalha aqui, é meu neto”. 

Como nossa conversa se dava pela manhã, questiono se o menino que citei acima, visivelmente menor de idade, não deveria estar na escola. “Olhe, tem gente que nasce pra estudar igual você, e tem gente que nasce pra trabalhar como eu. Ele estuda de tarde, mas quer trabalhar também, ninguém vai impedir, e ele já falou que não gosta de escola. Quer ser ambulante”, responde defensiva.

Contraponho o argumento da comerciante usando o exemplo da filha dela, citada no início da reportagem, Fran alega: “Mas ali é diferente, foi uma benção de Deus. E agora já que você não bebe, faça uma fotografia minha perto da minha cervejinha, é o lado bom de eu mesma ser minha patroa”.

Nenhum comentário