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"Me foi dito: se até Lula vai preso, imagina você''


Yadson Magalhães, preso durante manifestação contra a prisão do ex-presidente Lula, relata o que vivenciou 

Por Yuri Gomes 

Yadson Magalhães. Fonte: Perfil da UEERN no Instagram.

O estudante de História da UERN-Mossoró e militante do Partido dos Trabalhadores Yadson Magalhães, 25, foi preso no dia seis de abril, enquanto participava de ato em defesa do ex-presidente Lula em Mossoró. Acusado de pichar uma viatura da Polícia Militar e agredir um policial, responde em liberdade após 24 horas detido. 

Em entrevista concedida ao Caderno de Pauta no dia 19 de abril, ele conta como foram os momentos que antecederam sua prisão, narra a violência policial que sofreu e descreve os momentos em que passou na cadeia. 

Revela que policiais colocaram uma lata de spray em sua mochila para incriminá-lo e afirma que a sua prisão foi um "castigo pelo ato político". 

A polarização que o país vive lhe causa preocupação e responsabiliza setores da imprensa pela disseminação do ódio. Diz também que a sua vontade de militar não foi intimidada, mas sim renovada. Confira:

Caderno de Pauta: O que acontecia no dia da sua prisão? 

Yadson Magalhães: Um dia antes eu estava conversando com uma amiga sobre o quanto as coisas estão difíceis para a gente que milita e acredita em um mundo diferente. Porque a qualquer momento você pode ser acusado de andar fora da linha, independente do que seja andar na linha, e não tem mais esse dentro e fora da linha. Eles podem lhe acusar e fazer isso de qualquer forma. 

No dia da prisão, eu fui para a casa de um amigo e ele me disse: “Yadson, eu nunca te vi de cabelo curto e com pouca barba”. Eu falei que tinha foto minha de cabelo curto no Facebook. Fomos ver essas fotos e rimos bastante. Brincamos dizendo que parecia outra pessoa. Depois na cadeia cortaram o meu cabelo. 

Outra coisa: eu falei para minha mãe que estava indo para o ato e ela, pela primeira vez, pediu para tomar cuidado. Sempre falo que estou indo para atos, atividades do partido ou do movimento estudantil, mas só nessa vez ela disse que estava preocupada. Foi estranho e eu fiquei pensando: ‘vai ficar tudo bem, ela só deve estar preocupada porque o momento exige preocupação’. De resto, o meu dia foi normal.


CP: Como foi o momento da prisão? 

YM: O ato estava se encaminhando para a InterTV Cabugi. Aconteceu uma confusão e meu grupo saiu em direção à UERN. Na rua da Universidade, há uma rotatória e durante um tempo paramos lá para mobilizar, fazer algumas falas e exibir cartazes para o pessoal que estava no trânsito. 

Em dado momento, um policial, que eu já conhecia porque ele cursara história, me chamou e fui até onde ele estava por pensar que ia conversar sobre a segurança do ato ou coisa do tipo. Quando cheguei lá, ele meteu a mão na minha mochila e disse que ia olhá-la. Fiquei um pouco assustado e a minha primeira reação foi tentar sair correndo, mas ele me agarrou. Outros policiais e outras pessoas vieram para perto. Pedi calma. Me levaram para a viatura, me jogaram no capô, mexeram na minha mochila e me algemaram. Apertaram muito as algemas e me colocaram no carro. 

Esse policial e um outro foram muito truculentos, mas tinha outro PM que também estudou na UERN, fez geografia, é a favor do movimento, tentou acalmar o pessoal. Eu acho que a abordagem não foi mais truculenta por causa dele. 


CP: Sob qual acusação você foi indiciado? 

YM: Eu fui preso e estou respondendo em liberdade por duas acusações. A primeira é por depredação de patrimônio público, porque alegam que eu pichei a viatura da PM que estava no ato, com uma tinta vermelha que disseram ter encontrado na minha mochila. Só que tem vídeos que mostram o policial chegando com uma latinha de spray enquanto a mochila ainda estava fechada. 

A segunda é uma acusação de agressão policial, dizem que eu agredi o policial. Justamente por isso que não coube fiança no caso, porque a soma das penas previstas ultrapassa quatro anos. E de acordo com o novo código de processo civil, nesses casos, não cabe fiança na delegacia, só com o juiz. 

Ficou muito nítido que estava sendo uma espécie de revanchismo. Realmente foi uma questão política. O pessoal estava puto porque estava havendo o ato e ficaram mais putos pela pichação na viatura. Eles [os policiais] queriam responsabilizar alguém por tudo. Estava sendo um castigo por participar do movimento social, por confrontar a galera da PM. Enfim, foi por a gente estar fazendo coisas que as pessoas não esperam que a gente faça e por estarmos ocupando os espaços que não querem que a gente ocupe.


CP: Quanto tempo você ficou preso? 

YM: Acho que no total devo ter ficado preso umas 24 horas. Cheguei na delegacia quase às 19 horas, fui levado para a cadeia pública às 23 horas e lá fiquei até às 18 horas do outro dia. 


CP: O que passou pela sua cabeça ao chegar na cadeia? 

YM: Até hoje eu estou tentando entender o que aconteceu, porque sai da minha casa, fui para um ato de rua e em tal hora estava algemado, dentro de uma cadeia com policiais me julgando e alguns outros me ameaçando. Enfim, muita confusão. 

No momento eu não estava entendendo muito bem. Mas uma coisa até hoje não deixou de passar pela minha cabeça é que voltamos a viver momentos em que existem presos políticos. O meu caso não chega a ser o primeiro. Eu lembro que quando estava havendo a greve dos servidores da saúde, do estado e da UERN, dois dirigentes do Sindicato da Saúde foram presos, mas não foram levados para a cadeia pública. 

No meu caso, acho que fui levado para a cadeia pública por ser estudante, por estar com a camisa do PT e não ter baixado a cabeça em nenhum momento que os policiais vinham me atacar e me chamar de idiota por estar na rua defendendo Lula. Justamente por tudo isso eu entendia que aquilo era uma prisão política. Não deixava de passar pela minha cabeça: ‘pegaram um militante que estava organizando e agitando o pessoal no ato. 


CP: Como foram as suas 24 horas preso? 

YM: Me colocaram em uma cela que deve ter espaço para três ou quatro pessoas e tinha nove. Mas ainda era melhor que a vizinha, que tinha onze. Quando cheguei lá, apenas um dos presos estava acordado e ele me perguntou por que eu estava lá. Respondi e ele deu de ombros. Eu não consegui dormir o resto da noite. Os presos que foram acordando perguntavam também. 

No outro dia foi servido um café da manhã. O pessoal comia de qualquer jeito, com pedaço de garrafa que eles usavam para tomar café. Foi servido um pão para cada. No resto do dia, os presos começaram a falar da rotina deles: a vida de tráfico, de homicídio, assalto, latrocínio, etc. 

Foi servido um almoço que eu não consegui comer e eu dei para o pessoal. Descobriram que eu sou professor e esse virou meu apelido. Um detento me pediu para ajudá-lo a ler a Bíblia que ele tinha e os outros pediram para eu ficar lendo trechos da Bíblia. Isso foi o que aconteceu nos períodos da manhã e da tarde. Depois todos ficaram calados ou foram dormir, e eu só passei o resto da tarde pensando que não ia sair dali naquele dia, que as coisas iam ficar piores. Pensava que eu ia surtar, que eu estava bem, mas aquele lugar era muito perigoso. E eu não sabia como seria os outros dias. Passei a sentir uma necessidade enorme ver alguém que eu conhecia, mas isso era impossível. Esse foi o meu dia na cadeia. 


CP: Você sofreu algum tipo de agressão ao ser preso ou na cadeia? 

YM: Ao ser preso sim. Alguns policiais me deram socos e pontapés. Vi depois manchas vermelhas pelo corpo. Apertaram muito a algema de propósito. Quando cheguei na delegacia, pedi para folgar um pouco e o cara disse que era para evitar que eu usasse os dedos para pichar. Disse que ia ficar daquele jeito porque não tinha nada a ver com aquilo. Se eu fosse liberado é que ele ia soltar. 

Depois, veio outro policial, tirou as algemas e me colocou numa cela de detenção. Era uma sala com uma porta trancada e uma janelinha. Tive pouco contato físico com eles. Um policial foi me acusar de ter batido nele, mas eu dizia que não. Outros [policiais] diziam que eu era idiota por estar preso por ter defendido Lula e eu falava os motivos de defender uma visão de mundo que acho que vale a pena. 

Na cadeia havia um carcereiro muito escroto. Ele cortou meu cabelo e minha barba. Me olhou e disse que ia cortá-los, e que isso era norma da prisão. Isso foi um tipo de agressão. Acredito que a escolha de quem pegar foi pelo estereótipo. Foi tirada uma foto minha com cabelo e barba, e outra foto com o cabelo e a barba cortados. Isso foi divulgado em blogs que fazem cobertura policial ou são carniceiros aqui no estado. 


CP: No Blog do BG há duas notícias a respeito do seu caso: a primeira sobre uma pichação no carro da PM e a segunda lhe condenando como pichador da viatura. Como você enxerga essas publicações? 

YM: Eu não vi essas matérias, vi os prints que me mandaram das fotos que saíram no Blog. Desde o acontecido eu não abro o meu Facebook e não acompanho notícias locais. Estou correndo atrás dos prazos que perdi na universidade. 

Tem um grande problema no Brasil todo, mas especialmente no Rio Grande do Norte: se faz um jornalismo muito ruim. Não é um jornalismo de cobertura e de informação. É um jornalismo com lado, com ideia política e que não quer informar o consumidor, mas sim formar uma opinião para que essa opinião seja a mesma de quem paga o jornal. As pessoas se interessam mais por ver o circo pegando fogo do que pela informação. 

O péssimo trabalho da mídia dá esse viés de condenar antes de qualquer coisa, porque a condenação midiática é mais impactante do que dizer que há investigação, etc. A mídia é responsável pelo caos que a gente vive no país, pela ignorância de quem a faz. 


CP: De modo geral e diante disso que você falou, qual é o papel da imprensa na atual conjuntura? 

YM: A grande imprensa, de veículos tradicionais, tem um "despapel" nessa conjuntura toda. Um dos papéis gloriosos que a imprensa pode exercer em alguns momentos é formar uma população pela educação, pela política e cultura. E a nossa não está seguindo por esse caminho. Um exemplo é a contribuição para com o discurso de ódio que a Jovem Pan faz diariamente com comentaristas fixos, como o Marco Antônio Vila; ou um comentarista do Jornal da Globo, que cobre coberturas políticas como cobre futebol: todo tipo de xingamento vale. Tratam o debate político que temos todo dia e assuntos sérios com chacota, como torcidas de futebol. 

Paralelo a isso, temos veículos de imprensa que devem ser fortalecidos. Há blogs de estudantes que demonstram uma qualidade maior do que muito que circula no Rio Grande do Norte e até mesmo no Brasil. No estado, um exemplo é a galera no blog Saiba Mais, que dá um baile no que deveria ser o jornalismo brasileiro. Esse tipo de veículo deve ser fortalecido. Eu acho que o papel da imprensa e das pessoas que constroem esse tipo de veículo é tentar montar uma rede que fortaleça esse tipo de discurso contra hegemônico. Sempre perdemos para a grande mídia na narrativa, pois ela tem o poder de chegar na casa das pessoas, nos momentos mais íntimos delas. 


CP: Circulou nas redes sociais que um policial disse no momento da sua prisão, a seguinte frase: "se até Lula foi preso, você acha que não vai ser?". Isso realmente foi dito? 

YM: Ao ser algemado, me foi dito: “se até o Lula vai preso, imagina você”. Isso foi mais um indício que me levou a pensar que tudo isso era uma perseguição pelo ato político. 


CP: A prisão impactou de alguma forma a sua militância? 

YM: Sim, mas não negativamente. No sábado, eu pensei muito sobre ficar mais contido e não estar na linha de frente das coisas, como na gestão de um DCE. Na prática, isso não aconteceu. Na semana seguinte, a gente começou a ter reuniões sobre debates e coletivos que organizamos. Votei em atividades. No último final de semana [dia 14 e 15 de abril], eu estava no congresso da União Estadual dos Estudantes e participei dele ativamente. Já estou pensando atividades juntamente com o movimento estudantil da UERN. 

Eu pensava que tudo isto iria me deixar um pouco mais tranquilo, mas no final das contas só mostrou o impulso e a vontade que todo mundo tem em garantir que o estado democrático volte para que isso não volte a acontecer com mais ninguém, nem comigo. Embora eu tenha ficado com certo receio de diminuir, me mostrou que no momento é ainda mais necessária, não só a minha, mas a militância de quem acredita num mundo melhor. Acredito que no fim, o que aconteceu renovou essa energia e essa vontade. 


CP: A convulsão social que o país enfrenta e a sua prisão fizeram crescer algum sentimento de medo dentro de você? 

YM: Passei a ter um pouco mais de medo da polícia. Quando eu estou nos cantos e chega um carro da PM ou tenho que passar por algum, sempre penso que eles vão me parar, me revistar e mexer nas minhas coisas. Penso que se me reconhecerem vão ser mais truculentos ainda porque acho que isso deve ter ficado nos grupos deles. Enfim. 

Tenho medo da violência causada por essa polarização que o país enfrenta. De pessoas que nem me conhecem, não sabem o que faço da vida, não sabem quem eu sou eu, e já me odeiam só porque sou militante do Partido dos Trabalhadores. Me odeiam porque defendo um projeto de país diferente daquele que essas pessoas acreditam, se é que elas têm um projeto; eu acredito que não. 


CP: Tem algo que você gostaria de acrescentar? 

YM: No final das contas, eu tenho mais é que agradecer a muita gente. Quando isso aconteceu, eu vi a importância de estar construindo o movimento social e lutando por pautas coletivas. Isso traz com você muita gente. Eu tive certeza que todo esse negócio da militância e movimento social é uma pauta coletiva. 

Tem duas grandes instituições que eu tenho muito a agradecer: a UERN e o PT de Mossoró. Agradeço também ao Sindicato de Professores da UERN, a Aduern. Membros dessas instituições foram as primeiras pessoas que apareceram. Os primeiros advogados também. Tenho que agradecer aos meus amigos e a gente que eu nem conhecia. Vi muita gente fazer nota de apoio e dizer que estava do meu lado. Tudo isso é o que está me fazendo passar por isso de cabeça erguida, me ajuda a continuar caminhando. 

O advogado da UERN se ofereceu para pegar o caso. Com certeza vai ser muito difícil, porque o próprio alvará do juiz taxa muito os movimentos sociais. Diz que é uma minoria de baderneiros. Embora esteja me dando a liberdade provisória, ele [o juiz] já está me condenando. A Vereadora Isolda Dantas (PT-RN) esteve acompanhando o processo a todo momento. O Deputado Fernando Mineiro (PT-RN), o qual me ligou assim que consegui um telefone; ligou também para os meus pais e fez o possível para as coisas andarem no âmbito jurídico. Tenho que agradecer a todo mundo.

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