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Robótica com um toque introspectivo na Campus Party Natal

Por Anna Vale

Palestrante Adam Moreira. Foto: Equipe Grupert

Há quem desconheça, ou nem mesmo reconheça, o potencial e talento tecnológico presente no Brasil, sobretudo na área da robótica, onde somos pioneiros. Há quem tenha medo dos avanços que esses estudos apresentam, um sentimento comumente atribuído às representações fictícias de como o futuro poderia se parecer.

Adam Moreira, doutorando da Universidade de São Paulo, na área de Robótica Social e Pedagógica, explica que esse medo da evolução tecnológica não é tão racional assim e que os avanços servem para auxiliar as pessoas de melhor maneira. “O problema não é o quanto a tecnologia está avançando, mas como a gente usa essa tecnologia,” completa.

Em sua palestra “Inteligência Artificial aplicada à Interação Humano-Robô: uma breve viagem pelo contexto mundial”, ele discorre sobre os benefícios da robótica, seus avanços e projetos promissores espalhados por todo o mundo. O palco Educação do Futuro, na área gratuita da Campus Party Natal, recebeu grande público de diversas idades na tarde do último dia do evento (14), que aprendeu noções básicas sobre esse tipo de tecnologia em uma conversa bem humorada e descontraída.

Por mais que não se perceba, os robôs já fazem parte do nosso cotidiano, de forma bastante sutil: os bots que existem de montes nas diversas mídias sociais, os chatbots em canais digitais para interagir e engajar com o público, e quem nunca respondeu a um Captcha para confirmar que é humano? O estudo dessa interação entre robôs e humanos é fundamental para entender e aperfeiçoar as funcionalidades das máquinas.

Essa área é chamada de HRI, do inglês Human-Robot Interaction, que é literalmente traduzido para Interação Humano-Robô. Ao estudar essa interação, há um foco maior na experiência do usuário (user experience), de forma a entender como o robô será aceito, tratado e como, por sua vez, o robô reagirá e assimilará tal ação. O entendimento dessa relação permite o aperfeiçoamento das interfaces e do comportamento da máquina para aumentar sua aceitação. O nível de praticidade e usabilidade de um robô é diretamente equivalente ao seu nível de aceitação e o sucesso da comunicação.

Dinâmica com participação do público. Foto: Equipe Grupert
Essa comunicação entre robô e humano não é tão fácil, como demonstrou Adam com uma dinâmica: duas pessoas da platéia subiram ao palco, representando o robô e um humano; um comando apareceu na tela e a pessoa teria que transmiti-lo ao robô com certas restrições. Isso mostrou aos espectadores que muito pode ser mal comunicado e mal entendido, mesmo entre duas pessoas. A dificuldade é maior com um robô que precisa traduzir a comunicação natural humana para sua própria linguagem.


Projetos promissores ao redor do mundo

Para exemplificar os avanços já alcançados e os ambientes impactados pela interação robô-humano, Adam apresentou diversas ocorrências por todo o mundo. Talvez a melhor financiada dos seus exemplos, a Disney Research é a divisão do conglomerado que busca aprimorar a experiência do usuário, “injetando inovação científica e tecnológica”. Seu setor de robótica atua, principalmente, com os animatrônicos dos parques Disneyland e Disney World, para que entendam, reajam e interajam de forma mais realista com as pessoas.

No Instituto de Tecnologia de Massachusetts, nos Estados Unidos, foi criado o primeiro robô doméstico do mundo: o Jibo, capaz de reconhecer até 16 pessoas diferentes e oferecer uma experiência adaptada e diferente para cada. Também para uso doméstico, Romeo ainda não está sendo comercializado, mas é o que há de mais sofisticado no que diz respeito à acompanhantes. Ele possui 1,40m de altura, força maior que a de um ser humano e está sendo desenvolvido pela SoftBank Robotics para auxiliar pessoas idosas que estão perdendo sua autonomia.

No Japão, já é comum o uso do robô Pepper para a recepção, informação e diversão dos clientes em lojas por todo o país. Capaz de reconhecer e se adaptar às emoções do seu interlocutor, o robô humanóide, também da SoftBank, é utilizado como intermediário no serviço de atendimento ao cliente. O robô humanóide mais completo do mundo também está no país e foi criado pela Honda, em 2000: exibido em um museu da capital japonesa, ASIMO é capaz de reconhecer objetos, posturas, gestos, seu ambiente, sons e rostos, o que o permite interagir e conversar com seres humanos de forma autônoma.

Robôs humanóides produzidos pela SoftBank Robotics: NAO (à esquerda), Romeo (meio) e Pepper (à direita).
Foto: Divulgação/Softbank Robotics

Projetos promissores no Brasil

Mas não é só na Ásia ou na Europa que esse tipo de inovação se encontra. Apesar de parecer distante da realidade tupiniquim, o brasileiro possui um talento para a robótica inigualável. Aquele Robozão dançarino que você já deve ter visto no YouTube é produto nacional. Na Universidade de São Paulo (USP), também já estão desenvolvendo uma avatar recepcionista que reconhece e imita expressões humanas. 

O esforço brasileiro na área permitiu um avanço histórico no que diz respeito à mobilidade assistida. Na abertura da Copa do Mundo de 2014, o chute inicial foi dado por um jovem tetraplégico, utilizando um exoesqueleto projetado pelo neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis, em conjunto com o Instituto Internacional de Neurociências de Natal – Edmond e Lily Safra (IINN-ELS).


NAO: o robô-professor

Pesquisador do Laboratório de Aprendizado de Robôs da USP, Adam possui seu próprio projeto promissor: a adaptação do robô humanóide NAO, da SoftBank Robotics, para uso em sala de aula. O objetivo é utilizar as tecnologias já encontradas naquele ambiente, como celulares ou tablets dos alunos, de forma adequada para a educação.

O processo ocorreria da seguinte maneira: o NAO capta as informações referentes à atenção dos alunos, suas emoções e nível de atenção durante a aula ou em relação ao professor. Assim como analisa os dados apresentados e reage ao que aprendeu, seja modificando seu comportamento ou sugerindo mudanças ao professor, que tem acesso aos dados captados.

O robô-professor em ação. Foto: Adam Moreira
Até agora, o projeto tem sido testado em escolas públicas e privadas de São Carlos, no estado de São Paulo, apresentando aceitação e retenção de conteúdo 20% maior nos alunos que interagiram com o robô. No entanto, Adam avisa que ele deve ser utilizado em conjunto com um professor, sempre. Apesar de sua execução precisa, a inteligência artificial não apresenta cognição, logo, não substitui o ser humano.


Iniciativas de incentivo 

Com o objetivo de despertar o interesse e contribuir com o aprendizado, foram lançadas diversas iniciativas de incentivo ao estudo da robótica. Várias delas são aplicadas em um âmbito nacional ou até internacional, de forma irreverente e divertida, chamando a atenção até das pessoas que se consideravam inaptas na área.

Adam conta que foi na Olimpíada Brasileira de Robótica (OBR) que iniciou sua trajetória na área: se trata de um evento que visa o aprendizado e o estímulo dos jovens às carreiras científico-tecnológicas, ocorrendo em categorias práticas e teóricas de forma gratuita e sem fins lucrativos. Outra competição, a RoboCup é uma copa robótica internacional de futebol, partindo do pressuposto de que um time de robôs completamente autônomos deverão vencer uma partida contra a atual equipe humana campeã do mundo, de acordo com as regras da FIFA.

A RoboCore é uma empresa desenvolvedora de tecnologia que realiza feiras, competições, congressos, além de oferecer palestras, cursos, tutoriais e atividades extra-curriculares na área da robótica. Outro exemplo, que esteve, inclusive, presente na Campus Party Natal, a Plataforma RobôLivre pretende “mostrar que a robótica pode e deve ser desenvolvida por qualquer pessoa que tenha interesse, independente de possuir conhecimentos técnicos sobre o tema ou qualquer formação”, apresentando um conteúdo colaborativo e fácil de fazer.

Além destas iniciativas, existem instituições educacionais dedicadas à robótica e ao ensino da tecnologia por todo o país. Só na Cidade do Sol, existem duas escolas dedicadas a ensinar a robótica a crianças: a RoboEduc e a Robô Ciência, que estiveram presentes na edição potiguar da Campus Party. Além de dois novos laboratórios que serão construídos por meio de um convênio assinado junto ao Instituto Campus Party.

O avanço da tecnologia é inevitável, mas não é algo do que se ter medo. Mudança é algo natural e quando ocorre nessa escala, nesse tipo de ambiente, está sendo especificamente estudada para gerar resultados favoráveis aos que a utilizarem. Não é questão de resistir, é um processo de ajuste, tanto do lado da inovação tecnológica, quanto da interação do indivíduo com ela: “Não é parar de avançar a tecnologia,” explica Adam, “é adaptar as pessoas”.

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