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“Autista” é adjetivo, o substantivo é “gente”: Saiba mais sobre o dia mundial de conscientização do Autismo

Por Beatriz Nascimento, Maria Beatriz Araújo, Ricarla Nobre e Sthefanny Ariane

Foto: Ricarla Nobre

02 de abril é o dia da Conscientização do Autismo desde 2007 por decreto da ONU. Segundo o dicionário de português, a palavra autismo significa a "polarização privilegiada do mundo dos pensamentos, das representações e sentimentos pessoais, com perda em maior ou menor grau das relações com os dados e as exigências do mundo circundante”. Em outras palavras, quer dizer que a relação indivíduo-sociedade é prejudicada, por não haver entendimento total de si mesmo e do mundo que o cerca. Em entrevista, o psicólogo Gleison Souza contou que atualmente o autismo é considerado como TEA "Transtorno do Espectro Autista", que é uma junção de transtornos psíquicos que ocorrem devido a problemas no processo de comunicação, na interação e no comportamento do indivíduo. Pesquisas apontam que esses transtornos ainda não têm cura, mas já apresentam tratamentos que facilitam a interação social do indivíduo.

Aqueles que possuem o espectro autista precisam de atividades diárias, variadas e mais intensas. Essas atividades são selecionadas não apenas para entretenimento, mas visando o aperfeiçoamento das habilidades do aluno. A Psicopedagogia é uma das ciências responsáveis por tal desenvolvimento, trabalhando com acompanhamento, orientando o processo de aprendizagem e adaptando o material escolar; tudo respeitando o repertório de habilidades que o autista já possui.

Para Thaysa Ferreira Neves, psicopedagoga que trabalha com inclusão há 11 anos, o método didático começa com várias observações, entre elas a organização do ambiente, que visa trazer motivação ao aprendizado; a sinalização dos locais onde as crianças passam a maior parte do tempo, evitando manter à vista excesso de materiais; grandes espaços de recreação abertos; e a utilização de estímulos audiovisuais, já que elas possuem grande capacidade de armazenar imagens em seus cérebros. Segundo Thaysa, as imagens são úteis tanto para a aprendizagem, quanto para o desenvolvimento da comunicação, aumentando a compreensão e regulando o comportamento social. Por isso, a recomendação é que se procure auxílio profissional o quanto antes, para que haja um acompanhamento e desenvolvimento desde a infância.

A convivência de alunos autistas em meio ao ambiente escolar ainda apresenta barreiras a serem vencidas. Entre elas, o olhar e o pensamento alheio trabalhados tanto nos pais quanto na sociedade e comunidade escolar. Para a psicopedagoga, a importância de trazer o movimento inclusivo, apesar de ser altamente contestado e de ter caráter ameaçador para alguns, é “irresistível” e convence a todos pela lógica de seu desenvolvimento social. 

“Como será a reação dos pais de outras crianças em relação a esta criança que quase não corresponde à estímulos e não relaciona-se normalmente com os demais colegas?”, questiona Thaysa. “Este é um grande problema na cabeça dos pais e que deve ser subsidiado por um trabalho de acompanhamento e preparação da comunidade escolar para receber esta criança”. 

Para isso, existem diversos projetos que ajudam o aluno com TEA no processo de inclusão, aquisição e desenvolvimento de suas habilidades. Entre essas iniciativas está o Som Azul que, desde março de 2012, acontece todas as segundas na Escola de Música da UFRN. Criado a partir da monografia da professora e coordenadora Luana Kalinka Cordeiro, sob a orientação da professora Catarina Shin, com o apoio da Associação dos Pais dos Autistas do RN - APAARN, o Som Azul é integrado ao projeto de inclusão Esperança Viva da EMUFRN. 

Kalinka e Liana, respectivamente
A curiosidade e interesse de Kalinka em entender o autismo deu origem ao projeto que visa aprimorar o senso musical dos autistas, trabalhando elementos musicais e lúdicos com o auxílio dos pais para possibilitar a integração do aluno a outros ambientes com pessoas neurotípicas - indivíduos que não apresentam distúrbios significativos no funcionamento psíquico. No começo, eram apenas oito alunos e uma professora. Hoje, o projeto é coordenado em conjunto com a professora-voluntária Liana Monteiro, e conta com a participação de outros seis monitores, também voluntários. Atualmente, já possuem cerca de 30 alunos divididos em duas turmas. 

Durante as aulas, os pais e mães são convidados a participar, auxiliando seus filhos e descobrindo o quanto a inclusão pode ser importante para a qualidade de vida e desenvolvimento dos autistas. Um dos diferenciais do Som Azul é essa relação projeto-família, começando pela coordenadora Liana, que teve seu primeiro contato com o autismo através do diagnóstico de sua filha aos dois anos de idade. Ela e o marido passaram a desenvolver dinâmicas musicais e perceberam vários resultados positivos, principalmente na fala. Quando questionada sobre como é ser mãe de uma criança com TEA, a orientadora se emociona. “É desafiador, mas é muito gratificante também. Eu a acompanhei desde quando ela tinha dois anos, ela não falava, e poder ver que a música contribuiu para o desenvolvimento dela, é muito gratificante. Quando eu olho pras mães, é como se eu fizesse uma retrospectiva, e eu vejo que é possível”. 

As dinâmicas feitas em sala são voltadas para a música e exercícios lúdicos, estimulando o uso de instrumentos musicais e contato físico/visual. Uma das voluntárias que atuam na área musical do projeto é Paula Viviane, 33 anos, estudante de Música e pessoa com deficiência visual. Atualmente, ela é monitora de flauta no Som Azul, e contou que teve receio no início, devido aos alunos apresentarem um comportamento mais hiperativo, “No meu primeiro contato eu não consegui dar aula, fiquei sentada atrás de um dos voluntários, não pude me aproximar de nenhum aluno. No final da aula eu chorei muito porque eu não consegui dar aula.” contou Paula, “[...] no segundo dia de aula eu tive que me aproximar deles. Eu fiz isso, e hoje eu sou louca apaixonada por eles”.

Alunos e pais tocando instrumentos

A didática escolhida na realização de atividades musicais têm resultado reconhecido. “Tinha um menino que falava com a boca quase fechada, muito difícil de entender, e a gente começou a trabalhar isso através de uma história cantada. A gente viu com o tempo a transformação, em uma aula ele soltou bem a boca e conseguiu falar direitinho as palavras”, contou a voluntária Rayane, 24 anos.

Em meio a busca de desenvolvimento para beneficiar alunos dentro e fora das iniciativas, ainda existe muito preconceito. “Uma vez eu tive um problema na escola, um colega de sala chamou ele pra um aniversário mas a mãe do menino ligou dizendo pra ele não ir, ela era bem preconceituosa, sabe?” relatou Diane Cabral, mãe de Antônio, aluno do Som Azul. “Já tive que mudar ele de escola também porque a coordenadora disse que o problema dele era tão grave que ele não ia conseguir aprender a ler. Eu tirei ele em outubro e em novembro ele tava lendo, a psicopedagoga conseguiu fazer ele ler em dois meses”. 

É preciso entender o que é o autismo. Para Kalinka ainda falta muito da sociedade e até do próprio educador entender esse conceito, “As pessoas são diferentes e por mais que alguém seja neurotípico, ou seja, “normal”, cada um tem seu jeito e sua forma de aprender e se expressar”. O autista é mais sensível a tudo, entender e aceitar as diferenças, é o caminho para combater o preconceito. 

Neste mês de abril, várias ações serão realizadas no Brasil e no mundo, como a campanha mundial “Light It Up Blue”, que visa incentivar as pessoas a iluminarem sua cidade hoje (02) com a cor azul, símbolo do autismo. Também acontecerão em vários cinemas do Brasil sessões adaptadas para autistas. Em Natal, terá uma no dia 28 às 10h no Cinépolis. A sessão, já na sua sexta edição, é uma parceria do Grupo das Mães Corujas Batalhadoras em conjunto com o Cinépolis do Natal Shopping. A venda dos ingressos podem ser antecipadas e incluem pipoca e refrigerante. 

Também no mês de abril será realizada a IV Caminhada pela Conscientização do Autismo no dia 08 às 15h30. A concentração começará no Centro de Convenções da Via Costeira. O evento é um convite do Núcleo de Integração Sensorial - NIS, com o apoio do grupo Amigos dos Autistas do RN, Grupo das Mães Corujas Batalhadoras e Divirta Kids. 



Confira o vídeo da visita ao Projeto Som Azul:


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